Folha de S. Paulo


Cientistas tentam salvar migração de borboletas-monarcas na América do Norte

Dara Satterfield não planejava realizar experiências na Feira Estadual do Texas, mas foi lá que seus objetos de estudo apareceram, em outubro. Ela estava na Geórgia quando eles chegaram, por isso Satterfield teve que dirigir a noite toda até encontrá-los. Chegando a Dallas, eles estavam se refestelando com plantas da espécie Verbesina virginica.

As viajantes esfomeadas, como a maioria das borboletas-monarcas que migram de áreas de procriação no norte dos Estados Unidos e sul do Canadá, haviam parado no Texas para consumir as calorias que lhes dariam força para a última etapa de seu voo, até o centro do México, onde invernariam durante cinco meses.

Eram tantas as monarcas cobrindo as plantas que Satterfield, aluna de doutorado na Universidade da Geórgia, se permitiu ter esperança de que uma das mais famosas migrações do mundo possa ser revigorada.

Menos de 20 anos atrás, 1 bilhão de borboletas oriundas de áreas a leste das Montanhas Rochosas chegavam aos abetos da espécie Abies religiosa no México, e mais de 1 milhão de borboletas-monarcas do oeste dessa cordilheira migravam para a costa da Califórnia a fim de passar o inverno. Desde então, os números diminuíram em mais de 90%, chegando a um mínimo recorde no ano passado no México.

Contagens preliminares neste outono boreal são encorajadoras, mas "um bom ano não significa que recuperamos a migração", disse Satterfield, 27, que estuda os efeitos da ação humana sobre o comportamento migratório.

Mas as coisas podem piorar. Satterfield e sua orientadora, Sonia Altizer, ecologista da Geórgia, temem que esforços bem-intencionados possam estar contribuindo para as agruras das monarcas.

Conservacionistas amadores vêm procurando compensar o drástico declínio das asclépias, a única planta onde as fêmeas da borboleta-monarca depositam seus ovos. Mas as asclépias mais comuns à venda para o plantio, dizem os cientistas, são as de uma espécie exótica, a asclépia tropical -não a espécie nativa com a qual as borboletas-monarcas evoluíram. Isso pode levar a uma reprodução fora de época, deixando as borboletas sob elevado risco de doenças e fracasso reprodutivo.

As borboletas-monarcas possuem um ciclo migratório dividido entre mais de uma geração. Por isso, seu ciclo de vida precisa estar sincronizado com o das asclépias onde elas depositam os ovos.

No retorno do México, as monarcas chegam ao Sudeste dos EUA logo depois do desabrochar das asclépias nativas, na primavera, e lá produzem a primeira de até três gerações de borboletas que procriam nas novas asclépias.

Quando as flores dessas plantas perenes começam a murchar, no outono, uma geração final de borboletas normalmente surge em um estado sexual imaturo. Em vez de se reproduzirem ali, numa época em que o alimento é escasso e as lagartas podem se congelar, elas voam para o México, onde esperam o final do inverno.

Aproximadamente 60% das asclépias nativas desapareceram entre 1999 e 2009. A perda coincidiu com o aumento do uso do herbicida Roundup em plantações de milho e soja. Enquanto isso, a reprodução das monarcas no Meio Oeste dos EUA despencou mais de 80%, bem como as populações dessa borboleta no México.

Com a perda das asclépias nativas, as monarcas vêm encontrando asclépias tropicais, que sobrevivem de forma mais prolongada.

Altizer teme que, quando as borboletas encontram folhagem luxuriante no outono, elas podem começar a procriar e deixar de migrar. "Quando a asclépia fica disponível durante o inverno, isso muda o comportamento da borboleta."

Um estudo constatou que algumas monarcas migratórias estão desovando no Sudeste dos EUA quando encontram asclépias tropicais. Os relatos são preocupantes porque a procriação ininterrupta sobre as mesmas plantas pode levar à proliferação do parasita Ophryocystis elektroscirrha. Monarcas adultas infestadas podem transportar milhões de esporos que contaminam as asclépias e matam as lagartas que buscam alimento. Borboletas levemente infectadas em geral não conseguem voar e se reproduzir, morrendo de forma prematura.

Nem todos os especialistas se preocupam com as asclépias tropicais. "As monarcas utilizam uma área imensa no leste dos EUA, e essa planta constitui uma porção ínfima das asclépias encontradas por elas", disse Chip Taylor, da Universidade do Kansas.

Para saber se as monarcas migratórias estão se reproduzindo em locais onde há asclépias tropicais, Satterfield vai observar os ovos nas fêmeas e o comportamento reprodutivo dos machos. Caso os indivíduos marcados em outubro continuem por lá quando a migração se encerrar, ela saberá também que a migração foi interrompida.

Ninguém contesta que a perda de habitat das asclépias continua sendo a principal ameaça às borboletas-monarcas.

Se a sua população diminuir, os riscos antes considerados menos importantes -como o inverno severo e as doenças- podem se tornar catastróficos. Satterfield observou que "proteger a grande jornada da borboleta-monarca é crucial agora, quando ainda temos uma chance para isso".


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