Folha de S. Paulo


Emissões de carbono do Brasil avançam 7,8% em 2013

Má notícia para o governo Dilma Rousseff, pior para o planeta: a contribuição do país para o aquecimento global avançou 7,8% em 2013. O dado indica reversão da tendência de queda após 2005.

O Brasil parece ter entrado numa nova trajetória de emissões de dióxido de carbono (CO2). Houve crescimento em todos os setores da economia.
Se for mantida, essa rota pode inviabilizar a meta do governo federal de reduzi-las entre 36% e 39% até 2020, na comparação com 1990.

O objetivo implica não ultrapassar o total anual de 2 bilhões de toneladas de CO2 (GtCO2), no país todo, em 2020. Pelo ritmo presente de aceleração, chegará a 2,2 GtCO2, calcula Tasso Azevedo, coordenador do estudo divulgado nesta quarta-feira (19).

Editoria de Arte/Folhapress
CLIMA EM ROTA DE COLISÃOComo cresce a poluição do carbono no Brasil e no mundo

Os dados são do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases do Efeito Estufa 2014, o Seeg, do Observatório do Clima, rede de dezenas de ONGs.

Cada brasileiro responde hoje por 7,8 tCO2 anuais. É mais ou menos o carbono que um passageiro "gasta" em quatro viagens de ida e volta entre Brasil e Europa.
A média mundial de emissões per capita fica em 7,2 tCO2. "Estamos muito longe de uma economia de baixo carbono", afirma Azevedo.

A maior responsabilidade pelo mau resultado cabe às mudanças no uso do solo (leia-se: desmatamento). A rubrica registrou salto de 16,4%, como seria de esperar após a subida de 29% na destruição da Amazônia de agosto de 2012 a julho de 2013.

A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) nega, porém, que o desmatamento possa ser o responsável pelo aumento de emissões.

"Ao contrário. Nós temos as menores taxas de desmatamento nos últimos quatro anos", afirmou após reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

"O Brasil tem metas voluntárias, embora ele esteja mudando essa curva, que era esperada, de aumento de emissões, porque o país está em desenvolvimento."

Ela disse, no entanto, que não poderia comentar detalhadamente os números do Observatório, pois não tinha visto os dados. Ela lembrou que, na semana passada, o governo divulgou dados oficiais com as emissões do país, que apontavam redução. A ministra se refere, porém, a estimativas para 2012; o Seeg toma por base 2013.

Além disso, o cálculo do governo privilegia emissões líquidas, que pressupõe um enorme sumidouro de carbono nas florestas protegidas. Por esse critério, a Amazônia não teria emitido CO2 em 2012, apesar de 4.571 km² de desmatamento. O Seeg trabalha com emissões brutas.

GASOLINA E DIESEL

Energia e transportes também participaram da piora do indicador. Graças ao maior acionamento de usinas termelétricas e ao consumo de gasolina e diesel, o setor teve 7,3% de incremento na produção de gases-estufa.

Os aumentos decorrem de políticas adotadas pelo Planalto, como o represamento artificial do preço da gasolina, um incentivo ao consumo. Antes do governo Dilma, projetava-se um aumento de consumo de álcool combustível de 10% ao ano. O uso de gasolina deveria cair entre 5% e 6%, mas ocorreu o inverso.

O acionamento continuado de termelétricas a carvão, óleo e gás fez o país produzir uma quantidade adicional de carbono equivalente ao que emite toda a frota de ônibus brasileira. "E 2014 vai no mesmo rumo", diz Azevedo.

O avanço de 7,8% nas emissões foi muito além do avanço do PIB (2,5%) em 2013. Na contramão das nações mais avançadas, está em alta a intensidade carbônica da economia brasileira.

Em 1990, eram R$ 1.381 por tonelada de CO2. O indicador melhorou até 2012, quando foi a R$ 3.252/tCO2. Em 2013, caiu para R$ 3.090/tCO2.

DESVANTAGEM

A notícia de aumento nas emissões brasileiras de gases do efeito estufa esvazia o grande trunfo do Brasil nas negociações internacionais sobre mudança climática. Daqui a dez dias, o país chegará em desvantagem para a próxima reunião multilateral do clima, em Lima (Peru).

As emissões brasileiras mantinham uma tendência acentuada de queda, desde 2005, graças à redução das taxas de desmatamento na Amazônia. Com isso, deu-se uma das maiores contribuições nacionais para a mitigação do aquecimento global.

Em 2004 haviam sido derrubados 27,8 mil km² de matas. Em 2012 a destruição já tinha encolhido para 4,6 mil km², uma queda de de 83,5%. No ano seguinte, contudo, a devastação foi a 5,9 mil km² (aumento de 29% sobre o período anterior).

Foi, mesmo assim, a segunda menor taxa já registrada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), responsável pelo sistema oficial de monitoramento por satélite (Prodes). E, com referência ao recorde de 2004, a redução ainda é considerável, de 79%.

Os dados preliminares do Prodes para o intervalo agosto de 2013/julho de 2014 devem ser divulgados pelo governo federal neste mês ou no próximo. A presidente Dilma Rousseff antecipou durante a campanha eleitoral, em 19 de outubro, que haveria nova redução, mas nunca informou os números.

Há indícios de que pode ocorrer o oposto, ou seja, um repique no desmatamento 2013/2014. A mudança do Código Florestal tem sido interpretada por grileiros e proprietários como um relaxamento, e 2014 é um ano eleitoral, em que é comum as taxas subirem.

Foi esse o caso no entorno de Altamira (PA) e da estrada BR-163, a Cuiabá-Santarém. Estudo do Instituto Socioambiental (ISA), usando metodologia similar à do Prodes, constatou aumento de 103% nas derrubadas na chamada Terra do Meio, um bloco estratégico de matas preservadas na região.

Além disso, a devastação em toda a Amazônia voltou a crescer no novo período iniciado em agosto de 2014.

O governo federal parou de publicar os dados do seu sistema de alertas mensais (Deter), o que agora só fará trimestralmente. Relatório do Inpe obtido pela Folha, contudo, apontou que foram devastados 1.626 km² de florestas em agosto e setembro. Um crescimento de 122% sobre os mesmos meses de 2013.

Programa similar ao Deter operado pelo Imazon, o SAD, também indicou aumentos nos últimos três meses (agosto, setembro e outubro).

A boa notícia é que o combate ao desmatamento não depende mais só de Brasília. No Pará, que já conta com o bem-sucedido programa Municípios Verdes, o governo estadual está lançando a Lista de Desmatamentos Ilegais: 1.131 km² (347 áreas individuais) de propriedades e posses que agora constam de um banco de dados para consulta pública na internet.

A ideia é permitir que bancos e outras empresas possam identificar proprietários em dívida com as autoridades ambientais antes de fechar negócios com eles.

Colaborou JOÃO CARLOS MAGALHÃES, da sucursal de Brasília


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