Folha de S. Paulo


Debate no IPCC foi tenso, mas construtivo, dizem cientistas e ONGs

Mesmo não tendo sido um trabalho que trouxe informações novas, o relatório-síntese do painel do clima da ONU, lançado neste domingo, passou por muitas disputas até chegar a sua versão final.

O documento lançado em Copenhague detalhou a necessidade e os custos de cortar logo as emissões de CO2 para evitar que o planeta ultrapasse o limite arriscado de 2°C de incremento em sua temperatura média.

Editoria de Arte/Folhapress

O relatório-síntese do painel é compilado a partir de três grandes dossiês lançados nos últimos 12 meses (um sobre a física do clima, outro sobre impactos do aquecimento e adaptações, outro sobre mitigação). Esta versão também menciona um trabalho especial sobre eventos climáticos extremos e outro sobre energias renováveis.

O encontro que decidiu a redação do último documento ocorreu a portas fechadas durante a última semana e teve momentos de tensão.

"Houve muita discussão sobre se deveriam dar mais ou menos peso para mitigação [corte de emissões de CO2] ou adaptação [ações para 'remediar' o aquecimento]", diz Suzana Kahn Ribeiro, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, representante do Brasil no IPCC. "Países produtores de petróleo em geral não querem que se fale tanto da importância dos combustíveis fósseis. Países como o Brasil querem ressaltar que a importância relativa das mudanças de uso da terra e do solo [desmatamento] está reduzindo."

Segundo Kahn, houve também grande preocupação em dar ao documento uma aparência de que o IPCC não estava sendo "prescritivo" ao tentar impor aos governos o que deve ser feito. "Tudo o que estava descrito como 'medida' foi trocado por 'opções', porque medida dá a conotação de ser uma medida política a ser tomada", diz. A palavra "perigoso", antes associada ao aquecimento de 2°C, quase não aparece mais. Foi preterida por "risco" na maior parte do texto.

ORÇAMENTO DE CARBONO

"Um dos debates mais intensos foi aquele sobre o 'orçamento' de carbono, que define quanto CO2 pode ser emitido sem que o planeta ultrapasse o aumento de 2°C", diz Stephan Singer, observador da ONG ambientalista WWF que acompanhou o encontro como observador. "Mesmo não entrando no mérito de quais países devem ou não cortar, foi difícil".

Singer afirma, porém, que durante a maior parte do tempo assistiu a discussões que eram "construtivas", efetivamente. "Nao houve debate sobre se existe ou não aquecimento global, mas sobre como lidar com ele da melhor maneira."

Para Kaisa Kosonen, observadora do Greenpeace na reunião, o fato de o relatório ter adotado um tom não impositivo não significa que ele não vá ter influência nas negociações sobre um acordo global para redução de emissões de CO2, que tem uma rodada definitiva em Paris, em 2015.

"Essa foi a mensagem mais forte que a comunidade científica emitiu até hoje sobre a severidade da mudança climática, sobre quão ruim a situação já está e sobre quão ruim pode ficar no futuro se não cortarmos emissões rápido o suficiente", afirma Kosonen. "O relatório-síntese delineia um caminho muito claro sobre o que fazer para evitar que a coisa fique realmente feia."


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