Folha de S. Paulo


Caminhada pelo clima reúne 400 mil em Nova York

A Marcha dos Povos pelo Clima não alcançou o milhão de pessoas que foram às ruas de Nova York em junho de 1982 contra as armas nucleares, mas tampouco fez feio.

Com 400 mil pessoas (segundo os organizadores) protestando pela falta de ação contra a mudança do clima, poderá entrar para a história como o momento em que o aquecimento da atmosfera voltou à agenda mundial.

Os organizadores, tendo à frente a ONG 350.org, distribuíram 1 milhão de panfletos em Nova York convocando para a marcha. Cerca de 500 ônibus vieram a Nova York, de quase todos os Estados. O trânsito foi bloqueado em Manhattan entre as ruas 59 e 86.

Não é todo dia que uma marcha de protesto conta com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Ele se empenhou em fazer o tema avançar ao convocar uma reunião de cúpula especial para esta terça (23).

Ban estava acompanhado de outras autoridades e recebeu da ONG Avaaz uma petição com 2 milhões de assinaturas em favor do clima.

A pretensão de Ban Ki-Moon é criar impulso para evitar que a Conferência de Paris, em 2015, não redunde num fracasso como a de Copenhague em 2009. Para isso, os países signatários da Convenção do Clima (Rio, 1992) precisam concordar com um novo tratado para substituir o malfadado Protocolo de Kyoto (1997).

Sua estratégia para a cúpula extraordinária de Nova York, realizada em paralelo com a 69ª Assembleia Geral da ONU, é extrair compromisso dos quase 120 chefes de Estado -entre eles a presidente Dilma Rousseff, que chega no dia da cúpula- e líderes empresariais e indígenas (além de militantes ambientais).

A ideia é que países e empresas anunciem no encontro nova-iorquino compromissos concretos com medidas para cortar emissões de gases do efeito estufa, como o CO2 produzido na queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural). Ao final da reunião o secretário-geral fará um balanço das promessas que, se espera, constrangeria os demais países a entrar no esforço para impedir um fiasco em Paris.

Entre as multinacionais que surfam essa onda estão gigantes como Unilever, Cargill, General Mills, Nestlé, McDonalds e Walmart. Muitas são grandes compradoras de commodities agrícolas, cujo comércio movimenta US$ 1,4 trilhão por ano (óleos vegetais, soja, celulose e carne, por exemplo) que entraram na mira de organizações socioambientais.

FLORESTAS

Se não é fácil interessar as pessoas na ameaça vaga do aquecimento global, mais difícil ainda é quebrar sua dependência –e de toda a economia– em relação aos combustíveis fósseis. Para contornar essa dificuldade, estão aí as florestas.

Estima-se que, a cada ano, pelo menos 90 mil km2 de florestas sejam derrubadas. O carbono contido em sua biomassa vai parar na atmosfera, agravando o efeito estufa. O desmatamento e a destruição ambientes ricos em carbono, como turfeiras, responde por cerca de 1/5 das emissões mundiais.

Reduzir a devastação florestal, argumentam muitas das organizações que vieram a Nova York, é uma das maneiras mais eficientes e baratas de combater a mudança do clima. E tem a vantagem de contribuir para a sobrevivência de povos indígenas e para a manutenção da biodiversidade.

Uma das coisas que torna as florestas mais vulneráveis ao desmatamento é a insegurança fundiária. Terra sem titularidade definida é um convite para a especulação e a grilagem, e derrubar a mata para formar pastos ou plantações, uma maneira rápida de acumular capital -na Amazônia e muitas partes do globo.

Dos cerca de 40 milhões de quilômetros quadrados de florestas no mundo, só 1/8 está na posse de populações tradicionais com direitos reconhecidos à terra. Nelas está estocada uma quantidade de carbono que corresponde a 29 anos de emissões produzidas hoje por todos os carros de passeio do planeta.

Na Amazônia brasileira, por exemplo, a regularização fundiária é uma das promessas do governo federal que não avançou. Apesar disso, o desmatamento recuou a 1/4 do que já foi. A dúvida é se esse feito poderá ser mantido nos próximos anos, com a demanda crescente de soja e carne por parte da China.

A agenda da presidente Dilma Rousseff indica que ela estará presente na reunião de cúpula. Diante das posições assumidas pelo Brasil nas negociações sobre mudança do clima, contudo, a expectativa em Nova York é que ela não anuncie nenhum compromisso ambicioso sobre florestas e se limite a reafirmar a meta voluntária de cortar entre 36% e 39% das emissões do país sobre os níveis de 1990 (meta essa em boa parte já cumprida, graças à redução no desmatamento).

No Rio, a marcha do clima reuniu cerca de 4 mil pessoas segundo os organizadores. A PM disse que foram 300.

O jornalista Marcelo Leite viajou para Nova York a convite da Burness Communications e da Fundação Ford.


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