Folha de S. Paulo


Uma em cada três universidades no Brasil não pode ser considerada como tal pela lei

Uma em cada três universidades brasileiras não atende aos requisitos legais para ser considerada "universidade".

De acordo com a Constituição, universidades, sejam públicas ou privadas, devem atuar em ensino, extensão e pesquisa –o que depende de professores com dedicação integral e de programas sólidos de pós-graduação.

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases, de 1996) define que um terço dos professores das universidades devem ter dedicação integral. Esse tipo de instituição precisa ainda de dois programas de doutorado e quatro de mestrado,
exigência estabelecida em resolução do Conselho Nacional de Educação (número 3 de 2010).

Anderson Prado / Folhapress
RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL, 18-08-2017, 16h00: ESPECIAL RUF 2017. Campus da UERJ, no bairro do Maracana. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ESPECIAIS) ***EXCLUSIVO FSP***
Prédio da Anhanguera em São Paulo; universidade tem só 8,21% de professores em tempo integral

Um levantamento inédito da Folha com base no Censo da Educação Superior de 2016 e na plataforma Sucupira da Capes (agência federal ligada ao MEC) de 2018 mostra que 68 das 196 universidades do país (34,7%) não cumprem ao menos uma exigência oficial para operar como tal.

Os dados mostram que 29 universidades têm menos de um terço de seus professores com dedicação integral. Além disso, 53 não têm um sistema mínimo de pós-graduação.

Ao todo, 14 universidades não cumprem nenhuma das duas exigências legais.

Dentre as escolas fora da lei há 26 instituições públicas. Caso da UERR (Universidade Estadual de Roraima), que não oferece doutorado.

A UERR afirma que tem esse programa em parceria com outras instituições. O diretor de pós-graduação da universidade, Rildo Dias, afirmou à Folha que a UERR já encaminhou à Capes um projeto de doutorado em ciências naturais e, agora, aguarda a aprovação do órgão.

No grupo das escolas privadas, as quatro universidades do Kroton, maior grupo educacional do mundo, não atendem aos requisitos. São elas Universidade de Cuiabá, Anhanguera de São Paulo, Anhanguera Uniderp e Universidade Norte do Paraná.

A Anhanguera paulista é a que menos tem professores em tempo integral dentre todas as universidades brasileiras. De seus 962 docentes em exercício, 79 se dedicam apenas à instituição (8,21%).

Em nota, o grupo Kroton afirma que as universidades passam por avaliações rotineiras e periódicas do MEC e que cumprem a legislação do ensino superior -incluindo o percentual necessário de professores em tempo integral.

O grupo diz ainda que a metodologia aplicada pelo Censo da Educação Superior pode gerar distorções, já que a pesquisa considera como docente quem atuou por no mínimo 60 dias nas instituições, incluindo os que prestam atividades em caráter temporário, como substitutos de professores afastados.

Para a professora do departamento de ciências políticas da USP Elizabeth Balbachevsky, as exigências do MEC para que uma universidade tenha ao menos um terço dos professores em tempo integral são reflexo da visão que a sociedade tem do que é uma boa universidade pública.

"Mas há grandes universidades no mundo que têm professores contratados por hora-aula, e nem por isso deixam de ser boas", diz ela, citando a Universidade de Buenos Aires como exemplo.

Ela ainda diz que em alguns cursos, como gastronomia, não faz sentido que os docentes fiquem fora do mercado.

Para a especialista, critérios como empregabilidade dos alunos, avaliação de mercado e qualidade do ensino deveriam contar mais que as determinações do MEC para que uma instituição possa ser chamada de universidade.

Em nota, o MEC afirmou que até o ano passado não havia regulação para que pudesse acompanhar o cumprimento de requisitos legais de universidades já credenciadas.

Desde 2017, com o decreto 9.235, o recredenciamento das universidades passou a depender da manutenção dos requisitos exigidos. Esse processo acontece no máximo a cada dez anos (dependendo do conceito obtido pela instituição na avaliação do MEC).

Agora, o não cumprimento dos requisitos necessários para o recredenciamento pode resultar em "eventual determinação de medida cautelar de suspensão das atribuições de autonomia", diz o MEC.

Na prática, isso significa que a universidade pode perder o status. Isso aconteceu no ano passado com a Braz Cubas, que não cumpria nenhum dos dois requisitos e foi rebaixada para "centro universitário".

Faculdades e centros universitários têm foco na oferta de graduação. Possuem, também, menos autonomia que uma universidade: precisam de autorização do MEC para abrir e fechar cursos –aval que aquelas dispensam.


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