Folha de S. Paulo


Para manter liderança, reitor da UFRJ quer investir em biotecnologia e cultura

Eleita a melhor universidade do país pelo RUF, a URFJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) já traça planos de como manter a posição no futuro. E para isso pretende aumentar as pesquisas nas áreas de biotecnologia e de cultura.

"É uma diversificação que estamos fazendo hoje para não ficar tão dependente do circuito do petróleo", diz Roberto Leher, reitor da instituição desde 2015.

Oriundo da Faculdade de Educação, ele defende a participação da UFRJ no Enade (Exame Nacional de Desempenho do Estudante), mas não poupa críticas à avaliação.

"Na realidade o Enade subdimensiona o que é a qualidade do curso da UFRJ", afirma ele em entrevista exclusiva.

Leher afirma ainda que a falta de verbas pode atrapalhar a qualidade do ensino em um futuro próximo e aponta a mudança do perfil do aluno como uma das responsáveis pelo crescimento da UFRJ.

Leia a entrevista abaixo.

Folha - O que levou a UFRJ ao primeiro lugar no RUF?

Roberto Leher - Sobretudo, uma enorme dedicação do nosso corpo de professores, técnicos e estudantes. Que mesmo imersos em dificuldades, tem se dedicado de uma maneira intensa e apaixonada a vida universitária.

Temos também uma tradição em pesquisa que nos possibilita captar uma soma considerável de recursos para desenvolver projetos de grande porte. Somos uma universidade com uma capilaridade com outras instituições nacionais e internacionais. É um mérito das gerações anteriores de pesquisadores, professores e técnicos, que construíram essa base que faz da UFRJ uma instituição de referência no país.

A pesquisa em petróleo é uma marca da UFRJ, mas o setor está em crise. Há uma busca por novas áreas?

Sem dúvida. Inclusive agora, no Parque Tecnológico, nós estaremos recebendo a FioCruz, que tem toda uma trajetória na produção de fármacos. Com isso, vamos abrir um grande continente de pesquisas básicas e aplicadas na área de química de fármacos, de processos industriais, biofármacos. E nosso objetivo é direcionar todo esse esforço de pesquisa em biotecnologia e fármacos para o Sistema Único de Saúde. Então isso é uma diversificação que estamos fazendo hoje para não ficar tão dependente do circuito do petróleo. Estamos também abrindo frentes na biotecnologia com as vindas da Ambev e da L'oreal para o Parque Tecnológico, o que vai criar uma logística de pesquisa e desenvolvimento importantíssima para essa diversificação.

Mas não estamos satisfeitos em ampliar apenas para a biotecnologia. Nosso esforço agora é de ampliar também a área de pesquisa e desenvolvimento para todo o setor de criação cultural. A UFRJ tem essa vocação, de ser uma instituição muito vinculada a produção artística. É uma dimensão importante para a cidade do Rio de Janeiro, que já tem tradição artística na dança, na música, no teatro, no estilismo, enfim, em diversas áreas do conhecimento e queremos incorporar essa dimensão também, para que o campo da cultura e da arte possam ter um desenvolvimento mais robusto.

A UFRJ chegou ao primeiro lugar do Ranking após melhorar seu resultado no Enade. O que o senhor acha do exame?

O Enade tem como referência uma série de descritores de competências. Isso tem o mérito de dar uma dimensão nacional a avaliação, garantindo uma prestação de contas geral do desenvolvimento em uma certa área do conhecimento. Mas ele tem limites que não podem deixar de ser reconhecidos. Mais do que competências operatórias, nós objetivamos com os nossos cursos assegurar ao estudante uma formação científica cultural que está baseada no conceito de conhecimento, muito mais amplo e sofisticado do que a ideia das competências. Então entendemos que nossa formulação, nossa concepção de formação é mais ampla e mais sofisticadas do que as competências avaliadas no Enade.

Temos ainda uma outra dimensão dos cursos que são os critérios feitos pelo Inep, que, a nosso ver, subdimensionam a força qualitativa dos nossos cursos. Acessibilidade e o número de computadores por estudante são variáveis relevantes, mas ao nosso ver há variáveis que deveriam ser mais importantes –a pesquisa, a possibilidade do estudante estar engajado em grupos de estudo e poder participar de iniciação científica. Isso tudo forma um quadro acadêmico de alta qualidade que caracteriza a universidade. Então, na realidade o Enade subdimensiona o que é a qualidade do curso da UFRJ.

Qual o maior desafio da UFRJ hoje?

O maior gargalo é orçamentário, tanto em custeio quanto em investimento. Nós realmente precisamos de um montante orçamentário de outra grandeza. A qualidade acadêmica tem como pressuposto um orçamento compatível com a manutenção e o desenvolvimento da instituição. E seguramente não temos hoje um orçamento compatível com as nossas necessidades. Particularmente porque somos uma instituição com um grande campo de pesquisa, que requer sempre uma manutenção e melhora da infraestrutura de energia, água, esgoto, e das edificações. Parte dos prédios datam dos anos 1960 e precisam ser reformados. Portanto a qualidade da instituição depende desse orçamento e não temos dúvida que precisamos ter uma recuperação orçamentária. E acho que temos credenciais éticas, morais e políticas para reivindicar um redimensionamento do orçamento disponível para a UFRJ.

Há incertezas com o futuro da instituição quando pensamos a problemática orçamentária. De fato temos essa preocupação e temos chamado a atenção do MEC em relação a isso. Em dez anos a UFRJ incorporou o equivalente a Universidade Federal de Santa Catarina em alunos, mas faltam salas para professores. O mínimo que se deve oferecer é um local de trabalho. Isso desmotiva o professor a ter dedicação exclusiva, ele acaba não permanecendo na universidade. É a dedicação exclusiva que dá qualidade, permite que os estudantes interajam com os professores, aprofundando debates, participando de grupos de estudos, essa dedicação é preciosa para uma universidade de qualidade. Estamos em uma situação muito delicada, os nossos cursos são reconhecidos, mas estamos chegando num ponto muito sensível, em que a dificuldade de infraestrutura pode afetar expectativas de trabalho e de qualidade que nós temos em um futuro próximo.

A universidade passou por uma mudança no perfil do aluno, recebendo mais alunos de fora do Rio e de baixa renda. Isso influenciou a qualidade do ensino?

Eu avalio que sim. Os estudantes que vêm de setores mais explorados, quando ingressam na universidade sabem que estão diante de uma conquista que precisa ser agarrada, efetivada. Então passam a ter um engajamento muito grande em seus cursos, buscam desempenhar e aproveitar a conquista que lograram em sua vida, de estar na melhor universidade do país. Mas também temos outro lado que nos preocupa que é a assistência estudantil. Muitos desses estudantes precisam ter essa assistência porque não têm dinheiro para morar no Rio de Janeiro, que é uma cidade extremamente cara.


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