Folha de S. Paulo


Investidores do Vale do Silício se recusam a falar palavra 'bolha'

É um tempo selvagem no Vale do Silício. Empresas com dois anos de existência são avaliadas em bilhões, casas em ruínas valem milhões e a arrogância chegou a um ponto em que executivos antes sãos cogitam deixar os Estados Unidos.

Mas os investidores de capital de risco do mercado de tecnologia –os financistas que apostam em companhias quando eles são pouco mais do que uma ideia– estão evitando usar a palavra que poderia descrever o que ocorre ao redor deles.

Bolha.

"Eu acho que é uma palavra que assusta porque, de certo modo, ninguém quer que ela pare", afirma Tomasz Tunguz, sócio do fundo Redpoint Ventures.

Richard Perry/The New York Times
Travis Kalanick, criador do aplicativo de carros Uber, avaliado em US$ 80 bilhões
Travis Kalanick, criador do aplicativo de carros Uber, avaliado em US$ 80 bilhões

Uma bolha, no sentido econômico, é basicamente um período de especulação excessiva em algo, sejam tulipas, empresas de tecnologia ou casas. É um termo pesado, até amedrontador, no setor de tecnologia, porque lembra as pessoas sobre a "bolha.com", quando companhias com pouco faturamento e zero de lucro venderam bilhões em ações para um público ingênuo.

Em 2000, as ações das empresas de tecnologia foram à bancarrota, recursos dos fundos de capital de risco secaram e muitas companhias jovens desapareceram. Até hoje, com a indústria de tecnologia bombando, o nível de investimento ainda é mais baixo do que o pico de 2000.

"Qualquer pessoa que viveu aquilo vai sempre acordar e ver fantasmas", diz Jerry Neumann, fundador da Neu Venture Capital, em Nova York.

Hoje, pessoas veem sombras de 2000 em avaliações como a da empresa de transportes Uber, que está levantando US$ 1,5 bilhão de investimento, o que a avaliaria em US$ 80 bilhões, e da Slack, companhia criadora de um serviço corporativo de mensagens que tem um ano de existência e foi avaliada em US$ 2,8 bilhões na última injeção de capital.

UNICÓRNIOS

Há alguns anos, negócios de capital fechado com valor maior do que US$ 1 bilhão eram tão raros a ponto de serem chamados de "unicórnios". Hoje, há 107 deles, de acordo com a CB Insights –investidores de risco tiveram de criar um outro termo ("decacórnio") para companhias como Uber e a empresa de análise de dados Palantir Technologies, que valem mais de US$ 10 bilhões.

Ninguém duvida de que muitos unicórnios são de fato negócios reais e que alguns deles podem persistir por décadas. Mas por causa das taxas de juros baixas, empresas de tecnologia estão arrecadando fábulas de dinheiro de investidores levados a um território arriscado em razão da necessidade de desesperada de retorno.

As avaliações –e não há um padrão real para determinar quando um negócio de capital fechado vale– estão infladas. Isso deixa algumas pessoas com receio de que as decisões de investimento estão sendo guiadas por "fomo" (sigla em inglês para "receio de estar perdendo algo")

O problema com a questão da bolha é que ninguém parece concordar sobre o que exatamente ela é. Robert Shiller, economista cujo trabalho sobre preços de ações fez com que ele ganhasse o Prêmio Nobel em 2013, definiu bolha como "uma epidemia psicossocial" em que as pessoas colocam a razão de lado e "compram" uma história.

"É um fenômeno social complicado que coloca as pessoas em problemas, assim como fumar ou beber demais", diz Shiller.

HISTÓRIA

E não importa as pessoas tentarem evitá-las, bolhas acontecem de forma recorrente, das tulipas holandesas em 1636, ate a bolha de ações que levou à crise de 1929 ou a bolha imobiliária que varreu Wall Street em 2008.

Após a queda, elas parecem óbvias, claro. O problema é que elas são praticamente impossíveis de prever. Neumann, da Neu Venture Capital, admite que foi pego na olha das empresas pontocom.

Então, os valores impressionantes dos negócios hoje parecem indícios de uma nova bolha? "Se a questão for: essas avaliações estão desconectadas dos fundamentos? Sim, elas estão", diz o investidor. Mas isso não é uma bolha, mas, sim, "uma decisão irracional sobre os preços".

Investidores estão felizes em admitir que o ritmo das injeções de capital começaram a preocupá-los. Mas eles ainda não querem usar a palavra que começa com "b", a não ser para descrever algo que não está acontecendo no Vale do Silício.

"Há definitivamente alguma loucura e as pessoas estão pagando valores acima do mercado por participações em empresas", afirma Anand Sanwal, fundador da empresa de análises CB Insights. "Mas um monte de decisões não necessariamente indica que nós estamos em uma bolha."


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