Folha de S. Paulo


"Brasileiros pagam tarifas demais para comprar eletrônicos", diz presidente de feira

Gary Shapiro sonha com um acordo de livre-comércio entre Brasil e EUA.

À frente da CEA (Consumer Electronics Association), maior associação da indústria de eletrônicos dos EUA e promotora da feira CES, ele reclama das barreiras tarifárias do país, que afastam exportadores americanos interessados no mercado local.

Daniel Acker/Bloomberg
Gary Shapiro, presidente da associação que promove a CES, uma das maiores feiras de eletrônicos do mundo
Gary Shapiro, presidente da associação que promove a CES, uma das maiores feiras de eletrônicos do mundo

A falta de soluções em vista, porém, não o desanima. "Estive no Brasil algumas vezes, o país é lindo. Estou pensando em fazer um evento lá em algum momento", afirmou o executivo à Folha.

Por ora, entretanto, seu foco está na CES, a maior feira do gênero, que começa nesta segunda-feira (7) em Las Vegas e vai até sexta-feira. A expectativa de Shapiro é superar a marca de mais de 150 mil visitantes do ano passado.

Duas áreas devem ser responsáveis pelas maiores inovações tecnológicas nos próximos anos: a automotiva e a de saúde, na opinião de Shapiro.

Conhecido por apostar em empresas pequenas (ele lança um novo livro sobre inovação nesta semana, "Ninja Inovation"), Shapiro comemora o aumento de 40% na seção de start-ups do evento, o Eureka Park.

*

Folha - Soube que o sr. reclamou dos impostos no Brasil.

Gary Shapiro - Na CES, estamos incentivando brasileiros a virem. É que as tarifas [sobre importados] no Brasil são tão altas que os brasileiros gostam de comprar aqui.

A CEA mantém alguma negociação com as autoridades brasileiras a respeito dos impostos sobre eletrônicos?

Não. É um desafio que nossas empresas associadas enfrentam [são mais de 2.200, incluindo Apple, Microsoft, Dell]. É muito difícil exportar produtos eletrônicos ao Brasil, pois o custo dos importados fica muito alto por causa das tarifas. O consumidor brasileiro paga muito.

Qual seria a solução? A associação tem alguma proposta?

Seria ótimo se os EUA e o Brasil, em algum momento, tivessem um acordo de livre-comércio. Isso cobriria essa questão. Mas o Brasil tem uma estratégia para construir uma muralha [de impostos] em torno do país, mais do que qualquer outro... Não sei por que os consumidores brasileiros têm de pagar tanto a mais. Acho frustrante, mas não temos o que fazer. Está na mão do governo brasileiro.

Qual será a grande atração da CES neste ano? Algumas empresas estão dando menos atenção ao evento.

A exposição será a maior que já tivemos, historicamente. Teremos 3.000 empresas exibidoras e esperamos 150 mil visitantes -não só o público mas empresários também. Destes, 35 mil devem vir de fora dos EUA. Só do Brasil, em 2012, vieram 835 pessoas.

O impacto da crise global ainda se faz sentir ou podemos falar em recuperação?

Depende de qual período de tempo você observar. Há melhora, há sinais promissores, mas há a questão do crescente deficit fiscal nos EUA [que torna o cenário econômico e político instável e inibe o consumidor]. Depende de como nossos políticos lidarão com isso.

Como estão as vendas?

Para eletrônicos, houve ligeira melhora, e esperamos um pouco mais de avanço neste ano. Acho que isso se deve mais aos produtos, inovadores. O tablet foi o presente de Natal mais desejado em 2012, e neste ano esperamos vender um produto para cada americano -310 milhões de smartphones e tablets.

Fabricantes têm, cada vez mais, promovido eventos próprios para lançar seus produtos, como Apple e Microsoft fazem. Isso afetou a CES?

São eventos para a imprensa. Na CES temos 5.000 jornalistas também. E a feira estará lotada de expositores, não vejo competição.

Qual o perfil das novas empresas na feira?

Temos recebido empresas de carros, algumas das maiores montadoras do mundo participarão.

O setor de carros elétricos está crescendo muito.

Outro setor que cresce é o de saúde e bem-estar, com soluções para monitoramento de pacientes, exercícios, para cuidados com diabetes...

A maior área nova, porém, ainda é a de acessórios para aparelhos da Apple, que começou há três anos e só cresce. Nosso i-Lounge terá 440 empresas neste ano.

E o nosso parque de start-ups, o Eureka Park, cresceu 40% em relação a 2012. Além das companhias que exibirão a próxima geração de TVs, as Ultra HD. E dos tablets, dos telefones, dos aplicativos...

Como será a participação das empresas que produzem aplicativos, redes sociais, coisas que não se compra numa loja?

Muitas empresas investirão nisso [na exposição], e um dos aspectos mais importantes é o da conectividade, tanto via redes sociais, para vender produtos, como em carros, em eletrodomésticos.

Acesso à internet é o próximo passo? O que o sr. prevê para esse mercado?

O IPv6, Protocolo de Internet 6, que dá a todo aparelho um endereço na internet, é cada vez mais comum. É o que alguns chamam de comunicação máquina a máquina, "internet das coisas".
Mas acho que o próximo avanço virá do setor de saúde, sobretudo porque os custos são muito altos e teremos que depender menos de médicos. Outro salto esperado é no setor automotivo: dentro de dez ou 20 anos teremos carros sem motorista.

E de todas as novidades, qual o empolga mais?

No longo prazo, com certeza são os carros sem motorista. No curto prazo, qualquer coisa que dê conexão à internet é capaz de mudar a vida das pessoas, sobretudo das mais pobres, ao oferecer acesso à informação, à educação e à assistência à saúde.

Tem uma empresa que acho muito legal, e da qual falo no meu livro "Ninja Innovation" [inovação ninja]: a Health Spot. Ela oferece uma salinha pequena, com acesso à internet, que pode ser instalada em qualquer lugar. A pessoa doente entra na salinha, senta-se em uma cadeira, é pesada, seus sinais vitais são medidos, sua pressão é tirada, a temperatura é checada, e eles dirão quais são os sintomas.

Por uma tela conectada à internet, o paciente consegue conversar com um médico, que pode pedir mais testes ou diagnosticar o problema.

Se a sala for instalada em uma farmácia, o paciente pode comprar o remédio imediatamente. Isso permitirá que os médicos atendam mais gente e que se economize tempo de deslocamento.

Editoria de Arte/Folhapress

*

RAIO-X
GARY SHAPIRO, 56

QUEM É
Presidente da CEA (Consumer Electronics Association); advogado e lobista

O QUE FAZ
Dirige a maior associação da indústria de eletrônicos nos EUA, com 2.200 associadas, e promove a CES; participou da criação das TVs HD

O QUE ESCREVEU
"The Comeback: How Innovation Will Restore the American Dream" (Midpoint Trade Books, 2011) e "Ninja Innovation" (Harper Collins, 2013)


Endereço da página:

Links no texto: