Folha de S. Paulo


Espontaneidade de Miller dividia opiniões de colegas e advogados

Divulgação/MPMG
Ex procurador da Republica, Marcelo Miller. Foto: Divulgacao/MPMG ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O ex-procurador da República Marcelo Miller

Nas negociações de acordos de delação com empreiteiras na Lava Jato, o então procurador Marcello Miller, 43, era direto: dizia que queria cenas de "sexo explícito" e não "conversinha de namoro no portão". A descrição era uma analogia à maneira como os candidatos a delatores deveriam levar os relatos sobre corrupção.

A espontaneidade e falta de papas na língua do carioca que fazia parte do grupo do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, além de figura central do grupo de trabalho da Procuradoria na Lava Jato, dividia opiniões de colegas e advogados. Alguns o consideravam espirituoso e inteligente. Outros, arrogante e inconveniente.

Hoje, como advogado e fora do Ministério Público, Miller protagoniza o episódio que pode levar ao cancelamento do acordo de delação premiada da JBS.

Diplomata, Miller atuou no Itamaraty entre 1998 e 2003. No ano seguinte ingressou na Procuradoria Federal no Rio de Janeiro.

Dos 13 anos como procurador, passou três em Brasília. Nesse período, comandou de maio de 2015 a junho de 2016 acordos de delação de grande repercussão como o do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado e do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, ambos com gravações de políticos.

O sistema, que se tornou marca do trabalho de Miller na PGR, foi reproduzido na delação da JBS, em que o dono da empresa Joesley Batista e o lobista do grupo, Ricardo Saud, gravaram uma série de pessoas, inclusive o presidente Michel Temer.

O ex-procurador também esteve à frente de negociações que não incluíram esse tipo de prova, como a do operador Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, do ex-senador Delcídio do Amaral, do dono da UTC, Ricardo Pessoa, e das empreiteiras Odebrecht e OAS. Como deixou o grupo da Lava Jato em 2016, Miller parou de conduzir as tratativas das duas empresas no meio da negociação.

A saída repentina do investigador foi recebida como um baque pelas empreiteiras, que o consideravam duro, porém um dos poucos investigadores que se sensibilizava diante do argumento de que as empresas precisavam sobreviver.

COLABORAÇÕES

Mesmo fora das tratativas, Miller manteve contato com interessados em delatar. Em mais de uma ocasião, recebeu representantes de empresas em seu gabinete no Rio, para onde retornou, para dar conselhos sobre acordos em andamento. Na ocasião, não fazia mais parte do grupo de trabalho da Lava Jato, mas ainda era chamado para eventuais colaborações nos casos em que tinha atuado.

Cerca de três meses depois da deixar a PGR, Miller foi além. Passou a procurar advogados com quem teve contato em tratativas de delação para perguntar se avaliavam que ele seria um bom profissional do outro lado do balcão. Só ouviu respostas positivas.

Em fevereiro deste ano, pediu exoneração do Ministério Público. A situação foi efetivada por portaria publicada em março com efeitos a contar a partir de de abril.

Neste momento, ele já tinha fechado um contrato com o escritório Trench, Rossi e Watanabe, que tem entre seus clientes a Petrobras. O salário de ex-procurador saltou de R$ 28,9 mil mensais para mais de R$ 110 mil.

O emprego novo não durou três meses. Com as acusações de que teria atuado nos dois lados do balcão no caso da JBS, o escritório decidiu desligá-lo. Miller culpou a pressão do governo Temer, que o citou nominalmente, e passou a estudar a propostas de outros escritórios enquanto intercalava dias das férias forçadas entre a serra fluminense e seu apartamento na Lagoa, no Rio.

A pessoas próximas, nunca escondeu o desejo de mudar de lado. Além de deixar claro que queria ganhar mais, ele costumava reclamar com frequência dos colegas da PGR, os descrevendo como limitados e pouco inteligentes.

POLÊMICAS

A proximidade com advogados de delatores criou problemas para Miller já em um dos primeiros acordos que assinou, o do operador Fernando Baiano, fechado em setembro de 2015.

O advogado de Baiano, Sergio Riera, que também é carioca, era apontado como amigo de Miller e por isso, profissional com mais chances de fechar delações junto à Procuradoria.

Miller chegou a ir ao casamento de Riera e, segundo familiares de Baiano, foi o responsável pela indicação do advogado para negociar as tratativas do operador.

A suposta proximidade rendeu clientes a Riera, mas sempre foi negada tanto por ele quanto por Miller, que confirmou à época apenas ter ido ao casamento do advogado. "Não somos próximos e nunca nos frequentamos. Meu casamento tinha 1200 convidados. Se Miller fosse um trunfo eu teria fechado outros acordos de delação", disse o advogado à Folha sobre o assunto.

Procurado, o ex-procurador não quis se manifestar.


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