Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Temer pode só buscar apoio, mas também piscou ao admitir derrota

Marcos Correa/PR
(Brasília - DF, 04/07/2017) Presidente da Republica Michel Temer durante audiencia Deputado Evandro Gussi (PV/SP). Foto: Marcos Correa/PR ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Michel Temer durante uma das várias audiências para tentar angariar apoio parlamentar, na segunda (4)

Para o líder do primeiro governo autointitulado semiparlamentarista desde a redemocratização de 1985, que aplicou uma agenda legislativa ambiciosa com velocidade sem par na história recente, Michel Temer surpreendeu alguns de seus ministros na noite desta quarta (5).

Ao admitir que poderá perder a batalha na Câmara sobre a chance de ser processado e esperar o julgamento no Supremo, Temer ou quis pintar um quadro dramático para amealhar apoio, ou começou a se conformar com uma realidade impensável há uma ou duas semanas. Para alguns dos presentes, a segunda impressão calou mais fundo na audiência.

Numa ponderação famosa, o então ministro de Dilma Rousseff Ricardo Berzoini (PT) afirmou que um governo que não tem 1/3 da Câmara a seu favor faz melhor empacotando as coisas e indo para casa. Dado o poder de Temer no Parlamento até a eclosão da delação da JBS, e a resiliência com que resistiu ao assalto inicial contra suas forças, parecia que o peemedebista iria resistir.

Parecia, ainda mais depois que o candidato a homem-bomba Rodrigo Rocha Loures foi para casa com uma tornozeleira eletrônica e o Supremo devolveu Aécio Neves ao Senado. Somados à indicação da até aqui incógnita Raquel Dodge para substituir um crescentemente incendiário Rodrigo "guarani-kaiowá" Janot em setembro na PGR (Procuradoria-Geral da República), os elementos indicavam uma acomodação de terreno para facilitar o que em condições normais seria um passeio de Temer na votação da denúncia.

Mas a carta astrológica do Planalto registrou um novo alinhamento negativo de fatos. Três se sobressaem: o surgimento de prováveis, novas acusações diretamente contra Temer nas delações de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, a desintegração da unidade do parceiro PSDB e a articulação em torno de Rodrigo "mosca azul" Maia.

Caso sobreviva à votação da denúncia, Temer terá de enfrentar outras flechas, avisou Janot, e cada vez mais com um apoio político caríssimo. Ao admitir que pode ser abatido no primeiro round, Temer pode até ser inocentado pelo Supremo, mas sabe que sua volta ao cargo se torna mais do que improvável. Dilma e Fernando Collor estão aí para contar o que acontece uma vez que a cadeira lhe é tirada.

Central na discussão é Maia, o presidente da Câmara que herdará o posto do chefe de seu sogro, o ministro Moreira Franco, caso Temer seja afastado para julgamento. Ele vem prometendo lisura e isenção nas tratativas, mas já emana aquele cheiro de poder que age como feromônio irresistível na classe política. Só não agir em favor de Temer já é uma ação em si.

O PSDB, por sua vez, afundou-se numa briga intestina que reproduz com novos personagens os dilemas de sempre. O sai-não-sai agora mistura-se à vontade de Aécio de permanecer dando as cartas, o que não agrada ao conglomerado Alckmin/Doria, que por sua vez não vê com bons olhos uma Presidência de Maia —interina no julgamento, interina em caso de renúncia ou, pior, efetiva após uma eleição indireta. O desmanche tucano não ajuda em nada Temer, mas é ainda mais nefasto para as pretensões do partido em 2018.

Com o clima envenenado, segue o jogo. Se não está confiante demais em seu poder de sedução pela compaixão que o "vocês serão os próximos" costuma dar, Temer aparentemente piscou.


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