Reforma política é um daqueles temas em que há consenso sobre a sua necessidade, a discussão se arrasta por anos e, ao final, se alguma mudança é aprovada, geralmente é para pior.
Quanto mais complexo o assunto, maior a relação entre passividade da população e mobilização daqueles que defendem seus interesses pessoais –no caso, os políticos.
Neste exato momento, parlamentares estão a ponto de aprovar uma "reforma política" que valerá a partir das eleições de 2018. A nova proposta é instituir o sistema conhecido como "distritão" para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores.
Na experiência internacional, alguns países tentam reproduzir no Legislativo a diversidade política da sociedade; outros buscam estreitar o vínculo entre os candidatos e a região onde residem. Outros modelos tentam ser mais facilmente compreendidos pelo eleitorado.
As regras do jogo eleitoral também podem produzir Parlamentos dominados por poucos partidos ou fragmentados em inúmeras legendas –situação que eleva consideravelmente o custo de governar, como aprendemos com o mensalão e a Lava Jato. Da mesma forma, o desenho do sistema eleitoral pode se revelar bem mais caro e permeável à corrupção do que outros.
No modelo de "distritão" em discussão no Congresso, apenas um desses cinco grandes objetivos (representatividade da população, proximidade com o eleitor, inteligibilidade, governabilidade e baixo custo) é atendido.
A única vantagem do distritão é que o modelo é fácil de ser entendido: em cada Estado serão eleitos os candidatos mais votados e pronto. Dessa maneira, serão abolidos os complicados artifícios de quociente eleitoral, sobras e médias que procuram dar maior peso à votação total recebida pelos partidos nas regras atuais.
Fora essa virtude, o "distritão" agrava as mazelas do atual sistema eleitoral brasileiro –esse modelo que produz corrupção, crises de governabilidade e aversão à política.
A primeira questão é o custo das eleições. Como as disputas continuarão a ser realizadas em distritos eleitorais muito grandes –os Estados–, as campanhas continuarão sendo caras. Com um agravante: como o desempenho dos partidos não mais importará, o pleito será ainda mais personalista, aumentando a pressão de gastos para os candidatos se tornarem conhecidos. Assim, espera-se a ampliação da correlação positiva entre votos e financiamento de campanha (veja o gráfico).
Outro fator é que certamente teremos um Congresso ainda mais fragmentado a partir de 2019. Como o distritão dá um peso muito maior ao desempenho individual do candidato, tanto fará para o milionário "não político", a celebridade ou o líder religioso concorrer por um partido grande ou pequeno. Logo, a tendência é termos um número ainda maior de partidos no Congresso e uma diminuição das bancadas tradicionais.
Mas eleições mais caras e pior governabilidade não são os únicos defeitos desta proposta de "reforma política". Os parlamentares também pretendem destinar R$ 3,5 bilhões para custear as campanhas, já que as empresas não podem mais doar. Essa montanha de dinheiro será repassada a partidos conforme a bancada eleita em 2014 –PT (13,3%), PMDB (12,7%), PSDB (10,5%) à frente– e depois distribuída pelos dirigentes dos partidos para candidatos.
Em praticamente todos os Estados, porém, os caciques partidários repartem o dinheiro de forma extremamente desigual –a maior parte fica para eles próprios e aliados mais próximos (veja o gráfico 2).
Nesse contexto de mais dinheiro público e livre distribuição de recursos pelos líderes partidários, não é difícil imaginar que a maior parte irá para os políticos enrascados com a Justiça, aumentando a sua chance de reeleição.
A "reforma política" dos políticos da Lava Jato é, portanto, um movimento de autopreservação da espécie. Precisamos rechaçar essa proposta e defender regras eleitorais que sirvam para eleger quem verdadeiramente nos represente.
BRUNO CARAZZA é doutor em Direito, mestre em Economia e autor do blog "O E$pírito das Leis"