Folha de S. Paulo


Opinião

Dilma e Collor diferem em valores, fonte e apuração de denúncias

A debacle da economia por si só não explica o esfarinhamento de Fernando Collor e Dilma Rousseff. O PIB foi negativo tanto no governo dele como no segundo mandato dela, mas os primeiros quatro anos da petista foram de crescimento, enquanto o collorido sempre rondou o zero.

Os índices de inflação são incomparáveis. Em março de 1992, a inflação foi de 84%. Em março passado, não chegou a 10%. O desemprego é equivalente: 7% no último ano de Collor e 5% hoje.

O big-bang esteve no comportamento antidemocrático dos presidentes. Ambos traíram os seus eleitores. Collor, ao decretar o sequestro da poupança no primeiro dia no cargo. Dilma, por organizar o arrocho dos que nela votaram.

Mas a traição é cláusula pétrea entre políticos. Se fosse crime de responsabilidade, meia dúzia cumpriria o mandato. E a velha demagogia ficou tóxica com o sequestro de campanhas pela propaganda.

Lula Marques-23.set.1992/Folhapress
ORG XMIT: 302201_0.tif O presidente Fernando Collor de Mello durante cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Telecomunicações Rurais, no Palácio do Planalto, em 23 de setembro de 1992. No dia 29 seguinte, Collor é deposto pela Câmara dos Deputados, que autorizou a abertura do processo de impeachment. (Brasília, DF, 23.09.1992. Foto de Lula Marques/Folhapress)
O então presidente Fernando Collor em cerimônia em Brasília

As disputas de voto passaram a ser dirigidas por mercenários. Eles não têm compromisso com o que seus candidatos farão. O que lhes importa é receber o bônus pela vitória. A casta política adotou a embromação sistemática porque gosta de, como diz, "ter a chave do cofre", eufemismo para grossa bandalheira.

Fundiu-se um círculo de ferro: grandes empresas e grandes partidos orientam a economia em benefício próprio. Para que um presidente seja derrubado, porém, é preciso salpicar essa solda com ideologia, o ouro dos tolos.

No Brasil, a liga ideológica dos últimos sessenta anos foi a defesa –"intransigente", claro– da moralidade. Há aí uma aberração, que ficou gritante de Collor a Dilma: para se beneficiar da corrupção, é preciso fazer uma campanha corrupta contra a corrupção.

Três seres fantásticos foram nutridos nesse ninho de mafagafos. Primeiro, os valores desviados do Estado cresceram na velocidade da luz. Em 1989, sobraram US$ 50 milhões no caixa 2 de Collor. Já um tal de Pedro Barusco devolveu há pouco quantia igual à Petrobras em sua delação.

Por que um rato de estatal passou a valer tanto quanto um presidente gatuno? A resposta está no segundo Godzilla: o pré-sal. A sua descoberta desatou encomendas de plataformas, estaleiros, navios-sonda, tubulações, helicópteros. Todos queriam intermediar alguma falcatrua.

A derrama para deslanchar a exploração de uma energia poluidora e antissocial deu vida nova à corrupção. A quantidade virou qualidade: dólares do pré-sal foram injetados na veia dos partidos.

O terceiro mafagafo foi a corrupção repaginada. Inerente à civilização do capital, ela adquiriu feição ecumênica. Basta ver os Panamá Papers. Há neles ministros do Reino Unido e da Espanha, jihadistas, burocratas russos, Almodóvar e Roberto Carlos. Só não há americanos –eles lavam dinheiro em casa.

Collor e Dilma diferiram no quesito corrupção. Dinheiro sujo pagou serviçais do ex-presidente, a Fiat Elba, reformas da cobertura em Maceió, jardins da Casa da Dinda. Tudo documentado com cheques, transferências e contratos.

Contra a atual presidente, porém, não existe nem suspeita de apropriação indébita. Daí a necessidade das pedaladas fiscais. Elas justificam o pênalti político-jurídico, meticulosamente encenado, para expulsá-la do campo.

O relatório da CPI sobre Collor também teve fraudes para engabelar a galera. Os empresários aparecem nele como vítimas de extorsão. Potentados com os sobrenomes Safra e Odebrecht viraram donzelas pudibundas, vítimas do melífluo alagoano. Agora, Marcelo Odebrecht está no xadrez.

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 13.04.2016. A presidente Dilma Rousseff dá entrevista para alguns veículos de comunicação, em seu gabinete no Palácio do Planalto. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
A presidente Dilma Rousseff, em seu gabinete no Palácio do Planalto

Por fim, existe diferença crucial na exposição da corrupção. Ela está na ação da imprensa e da Justiça. Em 1992, repórteres apuraram os fatos, a CPI partiu deles para estender a investigação e a Câmara afastou o presidente.

Enquanto a imprensa tinha sua hora alta, a Justiça ficou de lado. Só apareceu com o jogo acabado, quando o Supremo, confirmando seu conservadorismo, absolveu Collor.

No affaire Dilma, a imprensa pouco investigou. Fruto do espraiamento da internet e da míngua de assinantes e verbas, redações sucateadas de jornais, emissoras e revistas vivem dificuldades.

A apuração dos delitos foi pela Justiça. Nomeadamente, pela Lava Jato, mas com a cobertura (cúmplice?) das instâncias superiores. Ela dispôs de instrumentos mais poderosos que os repórteres: prisões, interrogatórios, delações, conduções, interceptações.

A divulgação dos feitos da Lava Jato não foi neutra. Longe disso. Por meio de vazamentos ilegais, Curitiba deu preferência aos órgãos de imprensa que atacavam o governo com maior força.

A força tarefa organizou o estardalhaço de maneira a que os vazamentos retumbantes ocorressem na hora em que ferissem o Planalto e o PT.

Mas os vazamentos jamais foram punidos pelo Planalto nem pela hierarquia judiciária. Pior: sequer foram investigados pela imprensa. Por quê? A resposta vale um livro.


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