Folha de S. Paulo


Impeachment de Dilma depende das ruas, diz aliado de Temer

Mauro Pimentel/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, 18.09.2015: RETRATO MINISTRO MOREIRA FRANCO - Retrato do Ministro Moreira Franco, para a secao Entrevista de Segunda. (Foto: Mauro Pimentel/Folhapress, FSP-FOTO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
O ex-ministro Moreira Franco (PMDB) é um dos principais aliados de Michel Temer

Um dos principais aliados do vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), o ex-ministro Moreira Franco (RJ) defende que o eventual impeachment de Dilma Rousseff será "resolvido na rua".

"Não vai haver impeachment com 60% [de apoio popular ao afastamento, aferido em pesquisas]", diz. "O problema vai ser resolvido na rua. A Câmara vai votar, a favor ou contra, quando a rua estiver amadurecida. O governo, que fica tão preocupado, deve cuidar melhor da rua", disse, criticando a estratégia do Planalto de focar seu combate ao impedimento associando o movimento à figura do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

A crise, diz, não será "resolvida no conchavo, nas salas atapetadas". Antes de falar à Folha na terça (23), Moreira recebeu dois líderes do MBL (Movimento Brasil Livre), grupo na ponta da organização de protestos contra Dilma e um dos organizadores do próximo ato pró-impeachment, em 13 de março. Ele não quis comentar o teor da conversa.

O ex-ministro da Aviação Civil diz que dos 20 mil peemedebistas consultados pela Fundação Ulysses Guimarães, centro de estudos da sigla que ele preside, 80% se posicionam a favor do rompimento com o PT no governo.

Sobre o impeachment, 60% são a favor. Para Moreira, o partido não percebeu ainda que rompimento e pedido de afastamento andam juntos.

Segundo ele, um dos elaboradores das propostas econômicas vendidas pelo PMDB em programa da TV como "Plano Temer", há na sociedade "uma consciência de profunda irritação com esse quadro que aí está, mas ainda não há a consciência do basta".

Questionado se queria dizer que é a "rua" quem vai empurrar o PMDB para um lado ou outro do impeachment, Moreira sinalizou positivamente com a cabeça.

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Folha - Como fica o cenário com os novos elementos trazidos pela Operação Lava Jato? O envolvimento de João Santana dá força às ações que correm no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)?
Moreira Franco - Não, não... Você quer saber sobre o impeachment? O impeachment não é iniciativa de um homem, ou mesmo de um conjunto. Ele não é iniciativa de uma conspiração de um vice. Para que aconteça é necessário que haja na opinião pública uma clareza muito robusta de indignação contra o status quo. Ou seja: o impeachment é obra da opinião pública, não é obra de nenhuma das instituições.

Como assim?
Nem TSE, nem Câmara, nem Senado. Elas dão a fórmula, a solução legal. Definem os processos, mas politicamente é na sociedade que isso se forma. Hoje, todas as pesquisas dão 60% a favor do impeachment, 40% contra. É muito pouco para a realização de um mecanismo institucional tão forte. Enquanto for assim, ocorrerá o que estamos vivendo hoje: a maioria é favorável, só que não tem força para realizar o seu desejo. E aí se vive essa coisa... Nunca vi, nem na época da ditadura militar, um nível de intransigência, de intolerância tão forte como o que estamos vivendo hoje. O [presidente João] Figueiredo falava na televisão, poxa.

O sr. vê um ambiente de hostilidade?
Hoje as autoridades do governo, dirigentes de partidos, do PT são hostilizados em avião, em aeroporto, em restaurante. Por que? Porque há uma maioria que não consegue realizar o que está querendo.

Nesse cenário, qual é o impacto da Operação Acarajé [que prendeu o marqueteiro de Dilma e Lula, João Santana]?
Episódios que desgastam o governo ocorrem a cada dia, todo dia surge uma novidade. Não é a Operação Lava Jato que vai levar ao impeachment. A Operação Acarajé esgarça mais ainda a textura do tecido político. Nesse ambiente, o governo comete um erro enorme. Ficou o ano passado partindo do pressuposto que o impeachment era implicância, má vontade do Eduardo Cunha [presidente da Câmara]. Toda a estratégia, do ponto de vista administrativo, político ou jurídico, esteve voltada exclusivamente para evitar o impeachment, partindo do pressuposto de que ele era iniciativa de uma pessoa. Foi um equívoco grave. O governo tem que falar com a sociedade. Devia ter gasto o ano passado para resolver a crise econômica.

Falta mobilização social para o impeachment?
Falta. Não é só mobilização social. Há uma consciência de profunda irritação com esse quadro que aí está, mas ainda não há a consciência do basta. Falta as pessoas, a sociedade, a opinião pública. 60% é pouco. Não vai haver impeachment com 60%.

O PMDB vai buscar interlocução com movimentos de rua? Dois dirigentes do MBL estavam saindo daqui...
Não... Esse problema não é achismo.

É a rua quem vai empurrar o PMDB para o impeachment?
[Sinaliza positivamente com a cabeça] A convenção vai discutir o rompimento? Não, porque o partido está dividido. Seria uma irresponsabilidade. Nós fazemos pesquisa. Estamos conversando com 20 mil dirigentes. Hoje, como estamos próximos do processo eleitoral e a situação do PT é delicada, mais de 80% quer romper com o PT. Mas se você for para o impeachment, tem a mesma proporção: 60 a 40. O curioso é que o partido não percebeu ainda que essas duas variáveis estão coladas. Mais uma razão para que não se leve esse assunto à convenção. Não está amadurecido.

Mas o governo insiste no erro, ele não fala com a sociedade. A estratégia dele é tratar nas instituições, nos gabinetes, nas salas atapetadas. E quanto mais ele faz isso, mais ele se isola. E nisso, na minha opinião, reside a tensão que ainda é política mas está, numa velocidade indesejável, se transformando em tensão social. E agora é o quadro econômico quem empurra a crise política, não o contrário.

O sr. também vê essa divisão no empresariado?
Na sociedade inteira. Há uma certa perplexidade. Como: 'Eu sou contra [o que está acontecendo], mas o que vai vir?'. As pessoas têm medo de mudança. É natural. Há gente que aposta num processo semelhando ao que houve no governo José Sarney, que é a economia muito ruim, com o desgaste na sociedade grande, mas com lideranças nas instituições que permitiram o presidente Sarney se manter os cinco anos com tranquilidade. Eu acho, no entanto, que a sociedade brasileira não é a mesma. A economia não tinha complexidade de que tem hoje, o nível de integração... Hoje, uma parte grande da economia e da sociedade não depende do Estado. Demanda infraestrutura, serviços públicos, mas não depende do Estado. E o governo tem que entender isso. Ele não vai, no conhavo, resolver esse problema. E digo isso de maneira construtiva. É uma constatação.

E Michel Temer nesse cenário?
Michel é o vice-presidente da República. Já foi mais querido do que é hoje, sem dúvida.

Querido por quem?
Pelo próprio governo. O recato dele, o cuidado é considerado por muitos, não só dentro do PMDB, como excessivo. Como uma manifestação de timidez institucional, como um certo receio de desagradar institucionalmente a Presidência da República em detrimento da afirmação de uma convicção política. Eu, como convivo com ele há muitos anos, respeito. As pessoas são o que são. Mas já o vi tomar atitudes muito firmes, quando necessário. Evidentemente é muito confortável para determinados núcleos do círculo governamental ter nele a imagem de alguém que pode agir com deslealdade, até para constrangê-lo. Como sabem que ele tem esses cuidados, a hipótese de ele vir a ser desleal age nele como um inibidor de iniciativa. Alguns setores usam isso. Mas isso não tem nenhum impacto, nenhuma consequência para o problema. Porque o problema, volto a dizer, vai ser resolvido na rua. A Câmara vai votar, a favor ou contra, quando a rua estiver amadurecida. O governo, que fica tão preocupado, deve cuidar melhor da rua.


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