Folha de S. Paulo


Famílias deixam pobreza extrema, mas ainda enfrentam dificuldades; leia histórias

Lançado em meados do ano passado com o objetivo de erradicar a pobreza extrema, o programa Brasil Carinhoso tem sido usado pela presidente Dilma Rousseff como propaganda de governo em recentes discursos e pronunciamentos.

Segundo dados do programa obtidos pela Folha com base na Lei de Acesso à Informação, 13,1 mil famílias em todo o país recebem R$ 2 por mês para integrar essa estatística que ajuda Dilma a chegar perto de sua promessa: acabar com essa "miséria" até o "início de 2014".

Conheça histórias de quem recebe o benefício e, segundo o governo federal, deixou a miséria extrema, mas ainda enfrenta dificuldades.

13 mil famílias deixam lista da miséria após extra de R$ 2
Ex-miseráveis vivem de maneira precária, mas têm o que comer
Programas de transferência de renda se encontram em fase de 'consolidação'
Análise: Boa conta, sem truques, inclui mais parâmetros além da renda

HISTÓRIAS

Luíza Sousa, 51, de Demerval Lobão (PI)

A desempregada Luíza Sousa, 51, de Demerval Lobão (a 34,4 km de Teresina), entrou para a estatística de 16,4 milhões de ex-miseráveis que o governo diz ter alcançado com o programa Brasil Carinhoso.

Mas Luíza diz não ter mudado de vida com um complemento de R$ 2 que a família dela recebe por mês para ultrapassar os R$ 70 per capita que definem a pobreza extrema.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Luiza de Franca Sousa, 50, desempregada, que mora na pequena cidade de Demerval Lobao, interior do Piauí
Luiza de Franca Sousa, 50, desempregada, que mora na pequena cidade de Demerval Lobao, interior do Piauí

"R$ 2 não dá para comprar nem meio quilo de frango. Comprei um coco hoje com R$ 2", disse à Folha, no início da semana passada, a mãe de três filhos. Dois deles são beneficiados pelo Bolsa Família, o principal programa de transferência de renda do governo federal.

Assim, a modesta casa sem reboco localizada em uma rua coberta por mato e lama é sustentada com R$ 142 do governo federal, além da ajuda de parentes e de algum dinheiro que Luíza ganha com um bico de lavadeira e o filho mais velho, com um trabalho de zelador.

O Brasil Carinhoso é um complemento do Bolsa Família.

Na cozinha, ela tinha menos da metade de uma garrafa de dois litros preenchida com arroz, pão e dois cocos.

A comida não acompanha o calendário e acaba antes do mês. "Só não fico sem porque como na casa da minha mãe", diz a mulher que diminuiu o ritmo de trabalho em 2012 depois de perder a visão do olho direito.

"Eu não quero me sentir miserável. Eu sempre sou uma pessoa lutadora. Quando não dá certo de um lado, eu tento lutar do outro para nunca faltar o que comer dentro de casa", diz Luíza com um sorriso constrangido.

Joelina Maria de Sousa, 31, de Demerval Lobão

Eduardo Anizelli/Folhapress
Joelina Maria de Sousa, 31, desempregada, que mora na pequena cidade de Demerval Lobao, interior do Piauí
Joelina Maria de Sousa, 31, desempregada, que mora na pequena cidade de Demerval Lobao, interior do Piauí

Na periferia de Demerval Lobão, no interior do Piauí, vivem Joelina Maria de Sousa, 31, e a filha Jucélia, 7. No início do ano elas viram o benefício que mantém as duas e ainda os pais de Joelina aumentar em R$ 2.

O benefício de R$ 104 não garante a tranquilidade da família e, quando a comida está prestes a acabar, Joelina corre atrás de serviço como empregada doméstica. "Tem que se virar. Quando falta [dinheiro], dou meus pulos para ter serviço", afirma Joelina.

O Bolsa Família ajuda a mãe de Jucélia a comprar comida, material escolar e roupas para a garota que quer ser cabeleireira.

Mas Joelina diz que o bônus [de R$ 2] que passaram a receber não mudou a situação da família. "Não dá para comprar nada".

Francisca Oliveira, 36, de Murici dos Portelas (PI)

É difícil enxergar a casa de Francisca Oliveira, 36, em uma das escuras ruas de Murici dos Portelas (a 252 km de Teresina). No espaço apertado delimitado por paredes de hastes de madeira preenchidas com barro, vivem ela, o marido e sete filhos.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Francisca Oliveira, 35, desempregada, na casa de taipa onde mora, na pequena cidade de Murici dos Portelas, Piauí
Francisca Oliveira, 35, desempregada, na casa de taipa onde mora, na pequena cidade de Murici dos Portelas, Piauí

Ninguém tem trabalho fixo. Francisca era agricultora, mas depois que o Brasil Carinhoso ampliou o Bolsa Família, fazendo-o saltar de R$ 322 para R$ 422, no ano passado, ela largou a roça.

Questionada, disse: "Acho que não [sou mais miserável]. Melhorou muito minha vida".

O marido faz bicos na construção civil. No último domingo (20), quando a Folha visitou a família, ele chegou bêbado em casa. Conversou com a reportagem e logo voltou para o bar.

Apesar de não se considerar mais miserável por causa da ajuda federal, a vida da família ainda é difícil. Todos dormem em redes ao lado das galinhas, que usam a parede que separa o quarto da cozinha como poleiro.

A comida que agora dura o mês inteiro, segundo Francisca, é preparada em um arremedo de fogão feito de barro no chão de terra. O ambiente cheira a urina.

Antônia Pereira Galvão, 35, de Joaquim Pires (PI)

A dona de casa Antônia Pereira Galvão, 35, soube da existência do Brasil Carinhoso pela televisão. O que ela não sabia é que o valor do Bolsa Família que recebe aumentou em R$ 28 e chegou a R$ 162 em setembro por causa do programa lançado pela presidente Dilma Rousseff no ano passado.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Antônia Pereira Galvão, 37, em sua casa na pequena cidade de Joaquim Pires, interior do Piauí
Antônia Pereira Galvão, 37, em sua casa na pequena cidade de Joaquim Pires, Piauí; ela recebe R$ 162 do Bolsa Família

O incremento que ela chama de "ajuda que Deus dá" serve para comprar comida para ela, o marido e mais três filhos.

Ela sabe que a ajuda é obra do governo federal. Por isso se diz "Dilma doente" e traz na porta da geladeira adesivos vermelhos com uma estrela branca e o número 13.

Dentro da geladeira, no entanto, só havia três ovos e um pouco de carne que virariam o almoço daquele domingo junto com o arroz que já estava na panela. O cardápio da refeição seguinte ainda era incerto. "Deus dá um jeito", afirma.

O marido fazia bicos na roça, mas a seca conseguiu fazer algo que parecia impossível: dificultou ainda mais a vida da família.

O filho caçula, João Vitor, de 3 meses, já sofre as consequências da pobreza extrema da qual, oficialmente, não faz mais parte. Não tem fraldas, urina no chão e dorme em uma rede, doente, com o pulmão cheio de catarro.

Antônio da Conceição Sousa, 39, de Joaquim Pires (PI)

Eduardo Anizelli/Folhapress
Antônio da Conceição Sousa, 38, vive na pequena cidade de Joaquim Pires, interior do Piauí
O agricultor Antônio da Conceição Sousa, 38, que vive na pequena cidade de Joaquim Pires, interior do Piauí

Na casa de Antônio da Conceição Sousa, 39, todos os sete filhos vão poder começar o ano com material completo. O agricultor disse que isso será possível graças ao incremento de R$ 224, que elevou o Bolsa Família deles para R$ 492.

"Foi uma ajuda grande. Tem que levantar as mãos para os céus e 'pedir' mil graças a Deus", diz Sousa, que ainda consegue um rendimento mensal de aproximadamente R$ 120 como agricultor.

Ele e a mulher dizem que deixaram de passar necessidade e saíram da miséria graças aos programas criados por Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff. "Ela está olhando para a pobreza. Desde o tempo do Lula que melhorou o Brasil", declara.


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