Folha de S. Paulo


editorial

Exame inócuo

Em ensaio de um lamentável retrocesso, o Ministério da Educação manifestou o propósito de suavizar os efeitos da avaliação nacional dos estudantes de medicina.

Tal exame, instituído em abril pelo então ministro Aloizio Mercadante (PT), se destina a avaliar o conhecimento dos alunos que ingressaram no curso a partir de 2015. O exercício da profissão, pela ideia original, ficaria condicionada ao desempenho no teste final —à semelhança do exame da OAB para bacharéis em direito.

Agora, sob o comando de Mendonça Filho (DEM), a pasta anunciou que a nota será apenas uma "referência de qualidade". A expectativa do governo é editar portaria nesse sentido ainda neste mês, com a realização dos primeiros testes até dezembro.

Ao defender a mudança, o MEC argumentou que o processo de avaliação não deve ter caráter punitivo ou o potencial de constranger alunos ou faculdades.

Trata-se de uma inaceitável inversão de valores, em que o interesse público por profissionais e serviços de qualidade fica subordinado a uma complacência até aqui mal justificada.

Sem o exame reprovativo, nada muda de concreto: hoje, basta ao aluno de medicina concluir a graduação para estar legalmente habilitado a assistir pacientes. Estes permanecerão sujeitos ao risco nada desprezível do atendimento sem a devida competência técnica.

Nos últimos anos, os exames de proficiência ministrados pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo têm revelado deficiências contumazes na formação dos médicos. No resultado mais recente, 48% não atingiram o percentual mínimo (60%) de acertos exigido para a aprovação.

O exame do conselho não tem o poder de impedir que o estudante reprovado tenha acesso à profissão —para tanto, seria necessário o devido respaldo legal. Não por acaso, a entidade classificou a mais recente inclinação do MEC como um risco para a sociedade.

A necessidade de um controle mais rígido acentua-se com a recente proliferação de cursos de medicina, muitos de qualidade duvidosa. Só no primeiro governo Dilma Rousseff (PT), foram abertos 44, contra 27 ao longo dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Espera-se que a repercussão negativa da proposta do MEC prevaleça sobre eventuais interesses setoriais encarnados pela proposta. Ainda há tempo para o Ministério da Educação não se desfazer de um mecanismo imprescindível para melhorar o atendimento médico.

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