Folha de S. Paulo


editorial

Doa a quem doer

Exceção feita ao campo da economia, no qual medidas duras e imediatas se fazem necessárias, é no âmbito do combate à corrupção que se dará o mais importante teste do governo Michel Temer (PMDB).

Circularam com frequência, nos últimos meses, versões segundo as quais a administração pós-impeachment aos poucos sufocaria a Operação Lava Jato. Não por acaso, em seu pronunciamento ao assumir interinamente a Presidência, Temer enfatizou a importância de que as investigações continuem.

Muitos fatores inspiraram, se não ceticismo, boa dose de cautela inicial diante de tais declarações.

Corrigido a tempo, deu-se inicialmente o desconchavado episódio do convite feito por Temer ao advogado Antônio Mariz de Oliveira, crítico do que considera os excessos da Lava Jato, para o cargo de ministro da Justiça.

Não parece ter o mesmo perfil, diga-se, aquele que por fim veio a ocupar o posto: proveniente do Ministério Público, Alexandre de Moraes, ex-secretário da Segurança paulista, é conhecido por uma pugnacidade a que não faltam componentes de ambição política.

Entre seus colegas de ministério, todavia, encontram-se nomes para quem a Lava Jato tem sido fonte de sério desconforto —como é aliás o caso de larga parcela dos políticos brasileiros.

Um dos principais aliados de Temer, Romero Jucá é mencionado nas delações de executivos da Camargo Correia e da Andrade Gutierrez, em casos que, envolvendo propinas no setor elétrico, mal começam a ser destrinchados pelas autoridades —o peemedebista, de todo modo, nega as acusações.

Além de Jucá, que ocupa a pasta do Planejamento do novo governo, Henrique Eduardo Alves (Turismo) foi citado em mensagens encontradas no celular do ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, como favorecido em repasses ilegais —ainda que, em sua defesa, o ministro tenha afirmado que se tratava de simples doação de campanha.

Na ampla delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral (MS), outros membros do governo Temer surgem como importantes na nomeação do próprio Delcídio para uma diretoria da Petrobras, em 1999 —o que em si não chega a ser indício de maior gravidade.

Resta inegável, contudo, que são ponderáveis os interesses do novo governo em ver diminuídas as surpresas que a Lava Jato se mostra capaz de produzir.

Ocorre que seria catastrófico, para o próprio Michel Temer, se vier a projetar a sombra de qualquer obstáculo sobre as investigações.

Entre as conveniências dos aliados e as exigências da opinião pública, nem mesmo a notória habilidade do presidente interino poderá encontrar meio-termo. Nunca, como no atual ambiente social e político, a frase "doa a quem doer" se mostrou tão pertinente.

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