Folha de S. Paulo


MONICA PERES

Gestão pesqueira é desafio para o país

A importância socioeconômica e cultural da pesca no mundo é inquestionável. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de um bilhão de pessoas no mundo dependem do pescado como principal fonte de proteína. Por outro lado, estima-se que a pesca marinha gere 260 milhões de empregos no mundo.

No Brasil, os dados oficiais do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) estimam uma produção anual de 1,4 milhão de tonelada de pescado e um faturamento de R$ 5 bilhões. O número de empregos diretos e indiretos chega a 3,5 milhões.

A atividade também cumpre um papel social e cultural em milhares de comunidades que dependem dela para garantir renda, segurança alimentar e preservar seu modo de vida. Somente a pesca de pequena escala responde por pelo menos 50% da produção de pescado nacional.

No entanto, a pesca tem sido historicamente alijada das macropolíticas públicas e mal manejada, causando enormes prejuízos econômicos para o setor pesqueiro e também prejuízos sociais e ambientais de difícil recuperação.

No Brasil, a maioria das pescarias não tem qualquer controle ou normatização. As poucas consideradas "manejadas" possuem apenas restrições pontuais de épocas, áreas ou aparelhos de pesca, que são mundialmente reconhecidas como insuficientes.

Não existem informações sobre a produção pesqueira nacional desde 2008, quando foi realizado o último trabalho sistemático de coleta de dados em escala nacional. Até mesmo o número de pescadores e embarcações é desconhecido, já que, ao contrário da agricultura, não existe um censo da pesca no país.

A fragilidade do marco legal e a falta de gestão têm sido diretamente responsáveis pelo esgotamento de recursos pesqueiros. Diversas pescarias capturam níveis acima da capacidade de reposição natural dos estoques explorados, comprometendo a sustentabilidade da atividade e a saúde dos nossos mares.

Hoje, 97 espécies de peixes marinhos encontram-se ameaçadas de extinção, em sua maioria por causa da pesca excessiva e não manejada. Outro problema grave que contribui para as perdas socioeconômicas e ambientais é a pesca ilegal, muito comum nos nossos mares.

É consenso absoluto entre os setores ligados à pesca que precisamos urgentemente qualificar a política pesqueira. É fundamental retomar a coleta e análise de dados, por meio da implementação do Sistema Nacional de Informações de Pesca e Aquicultura (SINPESQ), criado por decreto presidencial em 1995.

Também é necessário investir na pesquisa pesqueira, em estreita parceria com os setores acadêmico e produtivo, por meio da criação e fortalecimento de institutos de pesquisa, a exemplo da Embrapa na agricultura. Por último, precisamos sair da gestão por medidas pontuais e trabalhar com planos de manejo das pescarias, como ocorre em países como Noruega, Austrália e Estados Unidos.

Com a extinção do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento assume o ordenamento pesqueiro junto ao Ministério do Meio Ambiente. Ambos terão o grande desafio de reestruturar o sistema de coleta de dados e o marco legal da pesca.

Mas também precisarão dar continuidade às poucas, mas fundamentais, conquistas alcançadas nos últimos anos: a implantação dos Comitês Permanentes de Gestão, que viabilizam a participação ampla da sociedade civil, e os editais recentemente lançados pelo MPA para retomar a estatística pesqueira e a pesquisa aplicada.

MONICA PERES, 58, doutora em Oceonografia Biológica e diretora geral da Oceana no Brasil

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