Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Tensões adiadas

Depois da turbulência do terceiro trimestre, os mercados mundiais entraram em fase mais calma nas últimas semanas. Foi recebida com inusual serenidade até a indicação do Fed (o banco central dos EUA) de que pretende subir a taxa de juros ainda neste ano, caso a economia não dê sinais de fraqueza.

Em condições normais, tal perspectiva provocaria valorização do dólar e alta nos juros mundiais.

A estabilidade, talvez efêmera, parece derivar da constatação de que dois grandes riscos por trás das oscilações recentes –arrocho forte nos juros americanos e desaceleração descontrolada da China e dos emergentes– afiguram-se menos prementes no curto prazo.

Quanto aos EUA, apesar do ritmo de crescimento saudável (cerca de 2% ao ano) e desemprego já próximo do normal, há dúvidas sobre a capacidade da economia para operar com juros mais altos.

Um dos motivos está na mera possibilidade de aperto monetário –no radar dos investidores desde o ano passado–, que levou o dólar às alturas. Tem-se aí um fator contra o crescimento, pois a moeda valorizada encarece as exportações e barateia as importações americanas, reduzindo a produção local.

Também a inflação recomenda a manutenção de dinheiro barato na praça por mais tempo. O índice atual, de 1,3% ao ano, está bem abaixo do objetivo (2% ao ano).

Há, por fim, o contexto global. Apesar da aparente solidez nos EUA, problemas em outras regiões representam ameaça que tem sido considerada nas decisões do Fed.

A Europa apenas inicia a retomada, após anos lidando com a crise do euro. O desemprego é elevado e não há indícios de inflação.

No caso da China, parece ter sido contida a instabilidade ocasionada pela mudança súbita na política cambial em agosto, que levou a uma desvalorização do yuan e acentuou a fuga de capitais. A perda de reservas chegou a US$ 100 bilhões, mas caiu para US$ 40 bilhões setembro, e todas as perdas da moeda foram revertidas.

Além disso, os primeiros resultados de novas medidas de estímulo indicam que o PIB deve se manter acima de 6,5% no quarto trimestre. Isso ajuda a conter abalos em outros emergentes, Brasil incluído.

Tudo somado, as condições americanas e globais sugerem que o aumento dos juros nos EUA, quando vier, será lento e talvez insuficiente para suscitar grande agitação.

Há, portanto, uma janela de calmaria aberta, mas não se sabe por quanto tempo –nem se o Brasil terá condições mínimas de aproveitá-la.


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