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ana maria gon�alves

"Blackface", o racismo no teatro

De 555 colunistas e blogueiros de 8 ve�culos de imprensa (Folha, "O Estado de S. Paulo", "O Globo", "�poca", "Veja", G1, UOL, e R7), 6 s�o negros. Tamb�m por isso o debate sobre racismo ocorre longe da maioria da popula��o a quem, no dia a dia, ele n�o afeta ou interessa.

Quando um caso � destaque, como a suspens�o da pe�a "A Mulher do Trem", produzida pelo grupo os Fofos Encenam e acusada de reproduzir estere�tipos racistas usando "blackface" –t�cnica de pintar o rosto de preto–, colunistas e comentaristas usam o pouco conhecimento e o muito espa�o que possuem para chamar de ignorantes os militantes antirracismo.

O "blackface" � discutido nos movimentos negros desde 1944, quando Abdias do Nascimento fundou o Teatro Experimental do Negro.

Ali�s, situa��o emblem�tica aconteceu com ele, para quem foi escrito o personagem Ismael, m�dico negro de "O Anjo Negro", de Nelson Rodrigues. Em 1948, Ismael foi encenado por um ator branco com "blackface" porque o Theatro Municipal do Rio n�o permitiu a um negro contracenar com uma loira.

O grupo e os defensores da pe�a alegam que n�o fazem uso do "blackface", e sim da tradi��o do circo-teatro brasileiro inspirada na Commedia dell�arte.

Mas nesta h� apenas m�scaras negras como a do Arlequim, o que difere das maquiagens popularizadas nos shows de menestr�is que surgiram nos EUA e contribu�ram para a prolifera��o de estere�tipos racistas constru�dos a partir da vis�o que brancos tinham de negros.

Comicidade, burrice, insol�ncia, acomoda��o e pregui�a compunham tipos como "Uncle Tom", "Mammy", "Jezebel" e "Jim Crow", que batizou o nefasto sistema de leis segregacionistas. Al�m de shows pr�prios, tais personagens tamb�m invadiram shows de variedades conhecidos como Vaudeville.

O Vaudeville influenciou o circo-teatro brasileiro e a montagem de "A Mulher do Trem". A pe�a original, "Le Compartiment des Dames Seules", de Maurice Hennequin e Georges Mitchell, n�o faz uso de criados negros ou de "blackface".

Segundo o diretor Fernando Neves, em comunicado, "a m�scara do negro foi forjada por todos os circos e em todos eles apresenta as mesmas caracter�sticas (assim como a m�scara da ing�nua, do gal�, da patroa megera etc...)".

J� o professor M�rio Bolognesi, em debate no Ita� Cultural, disse que o circo brasileiro "vem de uma tradi��o da comicidade popular que trabalha com personagens-tipos, o que � diferente de estere�tipos. Personagens-tipos s�o condensa��es essenciais de caracter�sticas ps�quicas [...], mas tamb�m sociais."

Ou seja, enquanto temos personagens-tipos caracterizados psicol�gica ou socialmente por ingenuidade, beleza, ruindade etc., temos o personagem-tipo negro; e isto �, sim, estere�tipo racista.

Bolognesi cita o palha�o negro Benjamim de Oliveira para dizer que a vers�o teatral do circo brasileiro era abolicionista. � preciso n�o confundir abolicionista com antirracista. Muitos abolicionistas queriam apenas purificar a ra�a, impedindo a entrada de mais negros no Brasil.

Benjamim, que era escravo, fugiu com o circo Sotero aos 12 anos, para fugir novamente tr�s anos depois, porque era espancando. Segundo ele, para "fazer jus a um prato de comida", lavava cavalos e servia de copeiro na casa do dono do circo; situa��o semelhante � escravid�o.

Essas e outras informa��es deveriam fazer parte do debate. Mas n�o fazem. Porque a deseduca��o promovida por s�culos de escravid�o e racismo, aliada ao placar de 549 a 6 na imprensa brasileira, cava um fosso profundo demais para preencher.

ANA MARIA GON�ALVES, 45, escritora, � autora de "Um Defeito de Cor" (ed. Record), vencedor do Pr�mio Casa de las Am�ricas

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