Folha de S. Paulo


editorial

Patrimônio parlamentar

Causa incômodo a revelação da lista de clientes que pagaram R$ 34,9 milhões à empresa de consultoria do ex-ministro Antonio Palocci (PT) quando ele era deputado federal, de 2007 a 2010.

Mesmo não havendo ilegalidade, o caso surge como exemplo acabado do desdém com que se encara a convivência promíscua entre atividade parlamentar e negócios com tantos interessados em projetos sob exame no Congresso.

Entende-se a atração dos vários setores –saúde, automóveis, alimentos, imóveis, finanças– pelas orientações da firma do petista, a Projeto. Não se tratava de um deputado como outro qualquer.

Palocci granjeou admiração no meio empresarial como o ministro da Fazenda que, no primeiro governo Lula, logrou reverter desconfianças do mercado e conduzir a economia com competência.

A canhestra quebra de sigilo de um caseiro o derrubou do posto. Mas não diminuiu, agora se sabe, o valor de seus conselhos para gama tão ampla de ramos de atividade.

O escândalo tampouco impediu que Palocci ressurgisse como coordenador da campanha de Dilma Rousseff (PT) à Presidência e, depois, ministro da Casa Civil. Em 2011, a repercussão de reportagem desta Folha sobre a multiplicação de seu patrimônio acabou por tirá-lo do governo uma segunda vez.

As investigações em torno dos episódios acabaram arquivadas. Palocci tem alguma razão ao dizer que não há vedação legal ao exercício simultâneo do mandato e de atividades comerciais, mas é difícil aceitar sua alegação de que nunca teria havido interferência ou confusão entre a atuação como consultor e a de parlamentar.

Não faltam na pauta da Câmara dos Deputados matérias diretamente relacionadas com os setores que pagavam por recomendações baseadas na experiência e nos conhecimentos acumulados durante sua passagem pelo ministério.

Surge de pronto a suspeita de que sua conhecida habilidade como articulador político se pautasse mais pela necessidade de agradar clientes do que pelos interesses públicos e os de seus eleitores –para nada dizer da possibilidade de tráfico de influência.

Tais suspeitas só se desfazem sob a luz poderosa da publicidade. Quando se trata de doações de campanha, ainda que imperfeitos, existem os mecanismos de transparência da Justiça Eleitoral.

Já no caso dos contratos de consultoria, sonega-se ao eleitor o direito de saber quem aumenta o patrimônio de seu representante, que de resto recebe consideráveis proventos pela atividade parlamentar.


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