Folha de S. Paulo


Editorial: CNJ pelo avesso

Em condições normais, não causaria maior comoção a notícia de que o Conselho Nacional de Justiça conhece nova ameaça a seu funcionamento. Durante quase dez anos de existência, e mesmo antes de ser criado, o CNJ enfrentou com sucesso a resistência de magistrados descontentes com o órgão de controle externo do Judiciário.

Há algo de insólito, contudo, na atual discussão sobre reduzir os poderes do conselho. A proposta, desta vez, parte de ninguém menos que o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ.

O risco está consolidado na minuta da nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que Lewandowski apresentou aos colegas. Se por um deslize dos demais ministros o texto vier a ser encaminhado ao Congresso e aprovado sem alterações, o órgão de controle passará a controlar muito pouco.

Na sugestão mais bizarra, pela arrogância e pelo corporativismo, um magistrado só poderia ser interrogado por outro magistrado de instância equivalente ou superior. Dos 15 conselheiros, só 3 integram tribunais superiores e atuariam livremente; 6, por outro lado, não sendo juízes, teriam as mãos atadas em processos disciplinares.

As limitações não param por aí. No que depender de Lewandowski, a Justiça Eleitoral ficaria a salvo da ação correcional do CNJ, enquanto os regulamentos editados pelo órgão perderiam muito de sua força.

Além disso, o projeto do ministro reabre o debate sobre a autoridade do conselho para julgar a situação de juízes independentemente da atuação das corregedorias nas cortes estaduais –tema que o Supremo já decidiu a favor do CNJ.

Imaginava-se que discussões dessa natureza tivessem sido superadas pelo próprio dinamismo do órgão. Medidas moralizadoras, como o combate ao nepotismo e aos supersalários, demonstraram a importância do CNJ na frente disciplinar, ao passo que iniciativas como o estabelecimento de metas e os mutirões carcerários atestaram seu valor no planejamento.

Tais conquistas, todavia, podem ser postas a perder pelo ministro Ricardo Lewandowski. Além das modificações na Loman, ele criou dois conselhos consultivos para assessorar a presidência do CNJ. Um é formado por presidentes de associações de classe da magistratura; o outro, por presidentes de Tribunais de Justiça.

Eis o tamanho do retrocesso em curso: não só o órgão criado para fiscalizar os magistrados corre o risco de perder os poderes para tanto, mas também os magistrados podem ganhar poderes para fiscalizar esse mesmo órgão.

Dificilmente um líder sindical agiria com tanta desenvoltura.


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