Folha de S. Paulo


Editorial: Realismo estadual

Pressionado por milhares de manifestantes, o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), suspendeu dias atrás o pacote de cortes de gastos que seria votado pela Assembleia Legislativa do Estado.

Em crise há pelo menos dois anos, contudo, dificilmente o governo Richa poderá abrir mão das chamadas medidas impopulares, que incluíam mudanças na previdência dos servidores e no plano de carreira dos professores.

Durante entrevista a esta Folha, o secretário da Fazenda, Mauro Costa, foi taxativo: "Não temos recurso para nada. Estamos contando os centavos para fazer o pagamento da folha". Depois, acrescentou: "Todos estavam acostumados a viver num mundo irreal. Agora vamos ter que viver num mundo real".

A realidade, de fato, não bateu à porta só do Planalto, que já anunciou diversos ajustes para equilibrar o Orçamento. Segundo levantamento deste jornal, 18 das 27 unidades da Federação também terminaram 2014 em situação deficitária. Trata-se do pior resultado desde 2000, quando foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nos últimos anos, a irresponsabilidade grassou em todas as esferas. Mesmo sendo evidente a desaceleração econômica, gestores continuaram ampliando despesas.

Para tanto, contrataram novas dívidas com o beneplácito do Ministério da Fazenda e da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que deveriam ter zelado pelo cumprimento da LRF, mas permitiram o afrouxamento de critérios.

A ideia do governo federal era estimular investimentos, mas, na prática, um bom pedaço dos novos recursos foi usado para aumentar folha de pagamento e custeio. Ao fim e ao cabo, o endividamento regional cresceu 25% desde 2010.

Agora a fatura chegou para todos, e será difícil realizar o ajuste necessário num quadro recessivo, que compromete a arrecadação.

A meta de superavit primário (saldo de receitas e despesas antes do pagamento de juros) para o setor público consolidado é de 1,2% do PIB em 2015. Considerando o ponto de partida de 2014, com deficit de 0,6% do PIB, o ajuste total para este ano monta a 1,8% do PIB, cerca de R$ 100 bilhões.

Quase 25% desse valor está a cargo de Estados e municípios, que precisam transformar o deficit de R$ 13,2 bilhões do ano passado em saldo positivo de R$ 11 bilhões.

Como é usual no Brasil, os cortes acabarão afetando investimentos e outros serviços que deveriam ser prestados pelo poder público. Do lado da arrecadação, governos das três esferas recorrerão a tarifaços e aumentos de impostos.

O ciclo se repete, portanto. Depois da farra eleitoreira, anos de dureza. É preciso romper essa má tradição. Modernizar a gestão orçamentária para torná-la responsável e aproximá-la das necessidades das pessoas, em todos os níveis de governo, é condição necessária para reforçar a cidadania.


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