Folha de S. Paulo


Editorial: O ano da canícula

No ano passado, os moradores de São Paulo enfrentaram o mês de janeiro com as temperaturas mais altas em 70 anos. Em 17 de outubro, viram os termômetros marcarem abrasadores 37,2°C, índice mais elevado já registrado na cidade.

Embora sejam fenômenos locais e isoladamente não digam muito, um paulistano bem-humorado talvez recorresse ao bordão "eu já sabia" ao ser informado de que 2014 foi o ano mais quente da história.

O resultado foi divulgado pela Nasa, agência espacial americana, e pela Noaa, órgão do governo dos Estados Unidos dedicado aos oceanos e à atmosfera. O cálculo combinou dados de 6.300 estações meteorológicas e medições realizadas nos mares e em estações de pesquisa na Antártida.

Com isso, são cada vez mais consistentes as evidências sobre a mudança do clima mundial. Em todos os anos desde 1976, por exemplo, a temperatura do planeta esteve acima da média histórica do século 20 (13,9°C). Além disso, com a exceção de 1998, os dez anos mais quentes a partir de 1880, quando começaram os registros, ocorreram todos neste século 21.

A velocidade e a gravidade do fenômeno ainda são motivo de debate –não se conhece muito bem o papel de alguns fatores naturais, como o comportamento dos oceanos. Mas não há dúvida de que o aquecimento global está em curso, e de que a causa mais preponderante é o aumento das emissões de gases do efeito estufa, como o CO2.

A principal forma de prevenção à vista, porém –um corte drástico na liberação desses gases na atmosfera–, esbarra em complexas e quase sempre infrutíferas negociações internacionais.

Verdade que avanços como o acordo entre os EUA e a China e a carta da 20ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (COP-20), em Lima, trouxeram alguma esperança. Mas também é fato que não houve grandes definições sobre os principais compromissos a serem assumidos pelos diversos países.

Por isso, neste ano, as atenções estarão voltadas para a COP-21, em Paris. O encontro tem a dificultosa missão de produzir entre as nações um consenso capaz de evitar que a temperatura da atmosfera da Terra aumente mais de 2°C neste século, limiar além do qual a mudança climática pode provar-se perigosa, com frequência maior de desastrosos eventos climáticos extremos.

O cenário que se projeta é pouco refrescante. Acredita-se que 2014 não será o último ano a bater recordes de calor –terá sido apenas um em uma série de décadas quentes.

Considerada a canícula das primeiras semanas de 2015 em São Paulo, onde a média de temperatura está acima da do ano passado, os paulistanos certamente concordarão com a afirmação.


Endereço da página: