Folha de S. Paulo


Editorial: Incoerência americana

Fechar Guantánamo. Barack Obama prometeu fazê-lo em 2008, quando disputava seu primeiro mandato como presidente dos EUA, supostamente o cargo mais poderoso do mundo.

Seis anos e duas eleições depois, o campo de prisioneiros continua em funcionamento, contradizendo os valores democráticos dos quais os americanos tanto se vangloriam.

Alguns dos 136 detidos (número que resta após o envio de seis deles para o Uruguai) estão presos há mais de uma década sem acusação formal. São, entretanto, considerados "perigosos demais".

Guantánamo converteu-se num labirinto jurídico. Em primeiro lugar, os internos estão presos numa dupla condição: como combatentes e como suspeitos de terrorismo.

A primeira figura, chamada de detenção prospectiva, já foi aplicada por vários países em diversas guerras. Inimigos capturados, sem nenhum tipo de julgamento, são mantidos num campo de internamento até o fim do conflito, para que não voltem a combater. Terminado o confronto, são libertados.

A chamada guerra ao terror, contudo, não é um conflito clássico. Não se vislumbra um término oficial para ela. Os militantes ficam presos indefinidamente, mas os EUA não lhes concedem o estatuto de soldados inimigos, o que ao menos os poria sob proteção das convenções de Genebra.

A segunda figura, detenção retrospectiva, se assemelha a casos criminais costumeiros. Os suspeitos teriam de ser formalmente acusados por delitos, seus defensores precisariam ter acesso às provas e deveria haver um julgamento justo.

O problema é que, para um bom número de prisioneiros de Guantánamo, ou não há provas suficientes para a condenação, ou elas foram obtidas por meios ilegais (tortura), ou se teme apresentá-las numa corte, pois acabariam revelando a identidade de agentes infiltrados.

As agências de segurança afirmam que, soltos, muitos voltariam a engajar-se no combate aos EUA.

O Congresso americano, dominado pela oposição, faz o máximo para complicar a vida de Obama, o que inclui sabotar todas as tentativas de resolver ou atenuar o imbróglio. Daí a longevidade desse sistema de exceção, que não condiz com as tradições dos EUA.

O dano que Guantánamo traz à imagem do país é tamanho que cabe perguntar se não seria preferível soltar de uma vez todos os presos. Grupos radicais não enfrentam dificuldades em recrutar outros jihadistas, afinal. Os EUA poderiam ao menos proclamar de forma mais crível que defendem valores democráticos contra a barbárie.


Endereço da página: