Folha de S. Paulo


Editorial: Paradoxos americanos

Eleito com o compromisso de encerrar as guerras herdadas de seu antecessor, no Afeganistão e no Iraque, o presidente dos EUA, Barack Obama, vê-se agora na iminência de iniciar um novo conflito –que provavelmente sobreviverá ao final de seu mandato, em 2016.

Na quarta-feira, em pronunciamento transmitido pela TV, Obama anunciou que seu país deflagrará uma ofensiva militar contra a milícia radical Estado Islâmico (EI), com atuação na Síria e no Iraque.

Numa tentativa de escapar ao paradoxo, pois retira tropas do Oriente Médio e defende uma política externa menos intervencionista, o presidente dos EUA procurou enquadrar a ação contra o EI nos parâmetros de sua nova doutrina, que prescreve intervenções sem o envio de tropas terrestres e propõe a formação de coalizões com governos e forças locais.

A intenção da Casa Branca é intensificar os ataques aéreos, já em curso no Iraque, e fornecer armas e treinamento para rebeldes sírios que se oponham à facção terrorista.

Embora Obama tenha se baseado em legislação antiterror para determinar investidas na Síria, o plano gerou controvérsias nos EUA. Segundo alguns especialistas, aquela autorização, aprovada pelo Congresso em 2001, se circunscrevia ao combate à Al Qaeda.

A Casa Branca, seja como for, obteve o apoio de democratas e republicanos. A proposta conta ainda com o respaldo da população, chocada com a decapitação de dois jornalistas: 76% são favoráveis aos bombardeios, 62% defendem o fornecimento de ajuda militar e 61% se declaram contrários ao envio de tropas.

Se no front interno o presidente conseguiu contornar os obstáculos, resta saber se a ação respeitará as regras internacionais. Bombardear outro país em iniciativa unilateral constitui evidente violação.

O governo da Síria tem interesse em deter o EI, mas se pronunciou contra ataques não autorizados dentro de suas fronteiras –no que foi apoiado por seus aliados.

A Rússia, sob pressão de sanções econômicas do Ocidente, considerou que o presidente norte-americano precisaria obter aval da ONU para levar adiante seu projeto. A China e o Irã também fizeram conhecer suas apreensões.

Nesse cenário marcado por paradoxos e incertezas, seria um desastre se Obama incorresse no erro de George W. Bush e disparasse uma ofensiva à revelia da comunidade internacional.


Endereço da página: