Folha de S. Paulo


Leonardo Cruz: Courtney Love é inocente

Courtney Love se diz obcecada. Nesta semana, a cantora de rock americana divulgou numa rede social uma imagem do mar na qual indicava três manchas de óleo e uma possível aeronave. Sugeria, assim, ter encontrado o Boeing-777 da Malaysia Airlines desaparecido desde o último dia 8.

O furor investigativo da viúva de Kurt Cobain virou piada instantânea –surgiram na internet fotos e mapas rabiscados com a mesma letra pré-escolar, em caneta vermelha, que a cantora usou para apontar sua "descoberta".

Love pode ser uma detetive risível, mas não está só em sua obsessão. Uma multidão espalhada pelo globo tem dedicado tempo e neurônios a procurar pistas do voo MH370 e a elucubrar teorias sobre o paradeiro do avião que deixou Kuala Lumpur rumo a Pequim.

Tais pessoas parecem atraídas pelo mistério e incomodadas com uma hipótese em princípio improvável: num mundo com sistemas de monitoramento cada vez mais sofisticados, um gigante de 298 toneladas e 64 m de comprimento simplesmente sumiu, sem deixar bilhete de despedida, carregando 239 almas.

O principal palco desses esforços é o Tomnod.com, site que reúne imagens de satélite das áreas de busca no Índico e convida interessados a uma espécie de pescaria virtual.

Funciona assim: quem se cadastra na página recebe um naco de oceano para vasculhar –se achar alguma coisa suspeita, pode marcá-la na imagem (há ícones para "mancha de óleo", "destroço de avião", "bote salva-vidas" e "outros"). Se várias pessoas levantarem a mesma suspeita, a imagem marcada é encaminhada às autoridades da região.

É possível passar horas no site esquadrinhando retângulos marinhos sem ver nada além de água, ondas e nuvens. Segundo a Digital Globe, empresa de satélites que criou o Tomnod, mais de 3 milhões de voluntários, incluindo Courtney Love, já colocaram seus olhos sobre os 24 mil m2 de registros digitais. Na página principal, há um mapa do entorno da Malásia com as 524 marcações mais populares, incluindo três áreas com supostos sinais do Boeing.

Nenhuma delas levou de fato ao MH370, mas, para a Digital Globe, mesmo as buscas que só encontraram água foram úteis para ajudar a descartar enormes fatias do oceano com alto grau de certeza.

O leitor mais cético poderá dizer, com boa dose de razão, que tais esforços são perda de tempo e que tudo isso não passa de jogada de marketing.

A ele, uma ressalva: até agora, as pistas mais críveis sobre o paradeiro da aeronave foram encontradas pelo governo da Austrália em duas imagens captadas, veja só, por satélites da Digital Globe.

E então? Já tem programa para o final de semana?

LEONARDO CRUZ é secretário-assistente de Redação.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de ANDRÉ SINGER.


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