Folha de S. Paulo


Editorial: Leilões decisivos

Com forte apoio financeiro do governo federal, começa nesta semana uma nova fase de concessões de infraestrutura --rodovias, ferrovias, portos e aeroportos-- no país.

Trata-se de momento decisivo para a administração Dilma Rousseff, que busca resgatar a confiança dos investidores e retomar a iniciativa na gestão da economia.

A rodada de leilões seria inaugurada de fato no dia 18 (quarta-feira), quando se conheceriam as propostas dos consórcios interessados em operar as rodovias BR-262 (ES-MG) e BR-050 (GO-MG).

Ocorre que, anteontem, foram entregues oito lances para a BR-050 --quantidade considerada apenas normal-- e nenhum para a BR-262. Ou seja, não apareceram interessados em operar a estrada que interliga Espírito Santo e Minas Gerais.

A repercussão dessa abstenção algo surpreendente vai além dos dois trechos em questão, relativamente modestos --somados, são 800 km de um total de 7.500 km de estradas que devem ser licitadas.

A rodada inicial, de certo modo, serve como teste sobre as chances reais de sucesso de todo o programa de concessões. Desse ponto de vista, as duas estradas ora em disputa, supostamente atraentes pelo bom volume de tráfego e menor risco de execução dos projetos, eram consideradas estratégicas.

Diante do fracasso verificado na sexta-feira, parte do plano precisará ser, na melhor das hipóteses, adiada. O recado não poderia ser mais claro: a iniciativa privada ainda não considera atrativas as condições oferecidas pelo governo.

Persiste, contudo, a inegável importância do Programa de Investimentos em Logística.

No total, haverá aportes próximos de R$ 210 bilhões (sem o controverso e improvável trem-bala): R$ 91,1 bilhões destinados a 10 mil km de ferrovias, R$ 46 bilhões às rodovias, R$ 54,6 bilhões para portos e R$ 16 bilhões para aeroportos. Além disso, o governo pretende arrecadar pelo menos R$ 15 bilhões com a outorga do campo de petróleo de Libra, no pré-sal.

Editoria de Arte/Folhapress

A permanecer o modelo já definido para as concessões, 70% desses valores seriam financiados pelo BNDES e outros bancos estatais.

Bem executado, o programa poderia, em alguns anos, ser um antídoto poderoso contra a perda de dinamismo da economia. A infraestrutura sobressai, entre as oportunidades para alavancar o investimento, por reduzir custos e melhorar a produtividade.

No caso brasileiro, os aportes no setor foram de 2% do PIB nos últimos anos, o que mal compensa a depreciação. Estudo da consultoria McKinsey aponta um deficit de infraestrutura no Brasil próximo a US$ 1 trilhão --valor que seria necessário para pôr o país na média global quanto a estoque de capital investido em relação ao PIB.

Para cobrir a defasagem em duas décadas, o país precisaria ao menos duplicar os aportes --ou seja, R$ 150 bilhões a mais por ano.

O programa federal representa, portanto, um pedaço pequeno, mas importante, das necessidades. Colocá-lo em andamento, porém, não será fácil --como já ficou evidente com a BR-262.

O desafio maior está na estruturação de projetos e na definição de modelos sólidos de parceria ou concessões, quesitos em que o governo tem falhado. Digladiou com o setor privado para impor taxas de retorno pouco atrativas e perdeu-se em disputas ideológicas.

Hoje, diante de condições internacionais menos favoráveis, juros internos em alta e credibilidade em baixa, o governo se vê na desconfortável posição de refém do setor privado e acaba por oferecer condições até mais vantajosas do que teria sido necessário há dois anos.

Para as rodovias, além do financiamento subsidiado, bancos públicos e fundos de pensão estatais se comprometeram a aportar R$ 12 bilhões para uma participação acionária de até 49% dos consórcios. Na prática, com isso, o dinheiro privado poderá representar somente 15% do total.

No caso das ferrovias, o modelo pretendido pelo governo estatiza o risco de bilhões de reais na Valec, que comprará toda a capacidade e a revenderá aos interessados. Se houvesse mais confiança nas regras e na política econômica, provavelmente o setor privado estaria disposto a correr mais riscos.

O Tribunal de Contas da União também fez ressalvas ao programa e sinalizou que não aprovará o modelo proposto para as ferrovias. Por isso, o leilão do trecho entre Açailândia (MA) e Barcarena (PA) já deve atrasar.

Pelo bem do país, espera-se que a ausência de interessados na BR-262 seja problema pontual. O mais provável, contudo, é que, à luz dos erros recentes, o governo continue a ter muita dificuldade para mobilizar o setor privado a fim de viabilizar um ciclo de desenvolvimento a partir da infraestrutura.


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