Folha de S. Paulo


Número de casamentos cai e muda famílias e finanças dos chineses

Liu Zhenfeng se casou aos 25 anos. Logo vieram os acompanhamentos usuais de uma vida em família –uma filha, uma casa, mobília, brinquedos.

A filha em questão, Song Zongei, 28, decidiu seguir caminho diferente. Ela divide um apartamento alugado em Pequim com dois colegas, e o foco para ela é sua carreira e suas finanças. Song não antevê um casamento ou filhos em seu futuro imediato. "A esta altura, a coisa mais importante para mim é o desenvolvimento pessoal", ela afirma.

O número de casamentos está diminuindo na China, uma mudança com implicações profundas para a vida econômica e social do país. O declínio no número de matrimônios significa declínio no número de bebês e, possivelmente, menores gastos com casas, eletrodomésticos e outras compras relacionadas a famílias –exatamente o tipo de consumo que a China necessita para propelir seu crescimento econômico.

Gilles Sabrie/The New York Times
Wu Jingjing, 29, at a theater in Beijing, Aug. 2, 2016. Wu, who is single and works at an internet company, said young people in China no longer just want someone to marry, they want a relationship based on love. The decline in marriages in China means a decline in the number of babies, and potentially less spending, which China needs to drive economic growth. (Gilles Sabrie/The New York Times) - XNYT158
Wu Jingjing, 29, que é solteira e trabalha numa empresa de internet, em teatro em Pequim

Algumas empresas já começam a pensar em termos mais solteiros. Os fabricantes de joias estão oferecendo peças mais baratas, para namoradas com as quais casamento não é provável. Um fabricante de eletrodomésticos está vendendo panelas elétricas menores para fazer arroz.

Serviços estrangeiros de fertilidade estão fazendo publicidade no país direcionada a mulheres que desejem congelar óvulos para ter filhos mais tarde –um processo proibido para mulheres solteiras, na China.

Mas a desaceleração no número de casamentos –causada em boa parte pelo envelhecimento da população chinesa e pelos efeitos da severa política de um filho por casal que o país manteve por décadas– tem um lado positivo. Outra das causas para a tendência é a ascensão de uma população de mulheres de bom nível educacional.

Especialistas em economia, demografia e sociologia dizem que algumas dessas mulheres estão postergando o casamento a fim de criar carreiras e estabelecer uma posição financeira, o que resulta em uma população feminina mais dotada de poderes e que já não encara o casamento como único caminho para a segurança.

"Porque elas têm nível de educação elevado e empregos bem remunerados, não existe mais um incentivo financeiro para o casamento", disse Zhang Xiaobo, professor de Economia na Escola Nacional de Desenvolvimento, da Universidade de Pequim.

A China continua a enfatizar o casamento em sua mídia oficial, e aconselha as mulheres a não esperar pelo homem perfeito. Mas as mudanças na demografia e nos costumes não facilitam a defesa desse argumento.

No ano passado, 12 milhões de casais se registraram para casar na China, o que representa o segundo ano consecutivo de declínio no indicador. Os divórcios, que derivam em parte das mesmas tendências, chegaram a 3,8 milhões no ano passado, mais que o dobro do patamar usual uma década atrás.

Boa parte do declínio nos casamentos resulta da política chinesa de um filho por casal. Revogada oficialmente em janeiro depois de 35 anos, essa política acelerou a queda no índice de natalidade do país. Como consequência, pessoas entre 20 e 29 anos –a idade primária para o casamento– formam proporção menor da população do que era o caso duas décadas atrás.

E porque as famílias muitas vezes preferiam bebês homens, a China tem um excedente de homens, o que complica ainda mais as perspectivas de casamento.

Essas tendências são um teste para conceitos culturais de família que surgiram centenas de anos atrás. Embora casamentos arranjados pelas famílias tenham em geral caído em desuso na China, os pais continuam profundamente envolvidos nas núpcias de seus filhos, procurando potenciais candidatos e pressionando os filhos, quando estes os visitam em feriados, sobre seus planos matrimoniais.

Gilles Sabrie/The New York Times
Wu Jingjing, 29, left, shops with her friend Pengpeng in Beijing, Sept. 6, 2016. Wu, who is single and works at an internet company, said young people in China no longer just want someone to marry, they want a relationship based on love. The decline in marriages in China means a decline in the number of babies, and potentially less spending, which China needs to drive economic growth. (Gilles Sabrie/The New York Times) - XNYT159
A chinesa Wu Jingjing, 29, à esquerda, faz compras com sua amiga Pengpeng em Pequim

Liu, a mãe de Song, concorda que a filha deve esperar pelo parceiro certo, mas continua a esperar que ela encontre alguém. "Quero que ela tenha uma vida feliz", disse Liu, "e acho que é mais seguro ter uma família".

Do lado econômico, os efeitos podem ser contraditórios. As pessoas solteiras em geral compram menos casas, têm menos filhos e compram menos brinquedos e eletrônicos do que as pessoas casadas. Isso pode complicar os esforços chineses para transformar a população do país, tradicionalmente frugal, em gastadores ao estilo dos norte-americanos, a fim de reduzir a dependência do país quanto a exportações e projetos que requerem pesado investimento governamental.

O modo tradicional de casamento também pode levar as famílias a guardar mais dinheiro, no banco ou embaixo do colchão. As famílias de potenciais noivos chineses muitas vezes economizam dinheiro por anos para comprar imóveis no momento em que eles se casarão, a fim de permitir que iniciem a vida conjugal com estabilidade econômica.

As famílias economizam mais para comprar casas maiores se é difícil encontrar noivas, disse o professor Zhang, da Universidade de Pequim, mas os consumidores chineses podem simplesmente gastar o dinheiro em outra coisa –com os jovens solteiros liderando a tropa.

Parte do declínio nos casamentos deriva do crescimento de um grupo demográfico formado por mulheres urbanas, jovens e de alto nível educacional que já não precisam do casamento para conquistar a estabilidade financeira.

Nos lares chineses, a mudança desperta questões sobre os laços familiares e as responsabilidades filiais. Por exemplo, os casais chineses tradicionalmente cuidam de seus pais na velhice. Wu Jingjing, 29, vê o fardo que o envelhecimento populacional poderia representar para sua geração.

"Existe um grupo de pessoas que se sentirá muito oprimido por estar na camada do meio, tendo responsabilidades pela família e cuidando de filhos e pais ao mesmo tempo", disse Wu, que trabalha para uma empresa de internet. "Acho que esse senso de colapso surgirá dentro de 10 ou 20 anos".

A mãe dela se preocupa sobre quem tomará conta de sua filha caso ela não se case. "Por enquanto ainda podemos cuidar dela, mas não estaremos aqui para sempre", disse Zhai Liping, 53. "Esperamos que ela encontre alguém que cuide dela, para nos sentirmos mais seguros".

Ainda assim, Wu é solteira e diz estar determinada a esperar até que encontre a pessoa certa. "Nos velhos tempos, muita gente se conhecia porque alguém cuidava de fazer apresentações, e essas pessoas queriam simplesmente encontrar um par e viver o dia a dia juntas", ela disse.

"Havia muito pouca gente que tivesse um relacionamento livre baseado no amor. Agora, muita gente rejeita esse tipo de velha atitude e deseja encontrar a pessoa adequada".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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