Folha de S. Paulo


Análise

Demora da Espanha com governo expõe problema europeu

Na sexta-feira (4), o líder socialista espanhol, Pedro Sánchez, fracassou na sua segunda tentativa para formar um governo e suceder assim a Mariano Rajoy no palácio de Moncloa.

Após as eleições de dezembro, nenhum partido conseguiu maioria, impossibilitando a acessão direta de um governo e de um premiê (o título oficial no país é "presidente do governo" —na prática, um premiê, já que o chefe de Estado é o rei Felipe 6º).

Para a maioria dos analistas, essa situação se deve à ascensão inédita de dois novos partidos, o esquerdista Podemos e o liberal Cidadãos, que quebraram o duopólio de PSOE e PP, que se revezam no poder desde o retorno da democracia, em 1976.

Sánchez obteve apenas um acordo com Cidadãos, mas não com o parceiro supostamente natural, Podemos.

Na prática, os partidos têm até 2 de maio para fechar um acordo. Se não conseguirem, novas eleições ocorrerão em junho. Como consequência, a Espanha está sem governo há quase três meses e sem expectativa de formar um no curto prazo. Se houver novas eleições em junho, nada garante que a situação mude.

CENÁRIO COMUM

O caso espanhol não é isolado. A dificuldade de formar governos tende hoje a ser uma constante na Europa.

A Irlanda, que teve eleições na semana passada, vive um impasse similar ao espanhol.

A Bélgica esteve, de junho de 2010 a dezembro de 2011, um ano e meio sem governo, e de novo em 2014 teve dificuldades para formar um. A Grécia teve de votar duas vezes em 2012 para Alexis Tsipras ser nomeado premiê.

Em outros casos, as eleições levaram à formação de governos "antinaturais".

O caso mais emblemático é o britânico, onde, para romper um impasse em 2010, os liberais-democratas (centro-esquerda) se juntaram aos conservadores (direita) em vez de se unirem ao Partido Trabalhista, à esquerda.

Algo semelhante ocorreu na Itália em 2013, quando, diante da impossibilidade de formar um governo, a coalizão de esquerda teve de se aliar ao grupo de Silvio Berlusconi, à direita.

Todos esses casos recentes deixam em evidência a dificuldade de identificar vencedores claros nas eleições e, portanto, a previsibilidade da ação política dos governos que finalmente assumem.

Isso tem direto impacto na confiança que os cidadãos europeus têm em seus partidos políticos, em torno de 14% (comparável ao Brasil).

PARLAMENTARISMO

Qual o denominador comum a todos esses casos?

O sistema parlamentar.

À diferença dos sistemas presidenciais, a eleição do chefe do Executivo nos sistemas parlamentares é indireta e provêm dos resultados das eleições legislativas.

Estas operam como retrato das forças no Parlamento para determinar qual é o partido em posição de formar um governo. Se nenhum conseguir sozinho, há turnos de negociação entre as forças parlamentares para formar uma coalizão —o que pode ocorrer sucessivamente, já que não há, nos sistemas parlamentaristas, datas fixas para o governo assumir.

Já nos sistemas presidenciais, como no Brasil, o presidente provêm diretamente (ou semidiretamente, como nos EUA), do voto popular.

Essa votação estabelece uma delimitação claríssima entre vencedores e perdedores da eleição. Além disso, o caráter fixo do mandato estabelece que, no dia da posse, o presidente tem que ter o seu governo formado.

Isso explica, em grande medida, por que as coalizões provêm em 90% das vezes de coligações eleitorais. E explica por que não há esse grau de bloqueio ou imprevisibilidade na hora de formar governos.


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