Folha de S. Paulo


República Dominicana planeja expulsão de haitianos

Os moradores dominicanos e haitianos de Barrio Cementerio conviveram pacificamente por décadas. A proximidade sufocava o preconceito.

No entanto, essa situação está mudando. Um plano governamental que pode levar milhares de pessoas de origem haitiana a serem expulsas da República Dominicana começou a corroer a união antes presente no bairro.

Um locatário insatisfeito parou de alugar um imóvel a um inquilino haitiano. O chefe da Cruz Vermelha local diz que as deportações já deveriam ter acontecido há muito tempo. Um líder de quadrilha promete esconder seus amigos haitianos das autoridades. Um marido dominicano teme perder sua mulher e seus filhos, que não têm documentos. Um policial se angustia por saber que terá que deportar seu melhor amigo.

"Não tenho outra escolha", comentou o policial John Tapia Thomas. "Me entristece pensar em receber a ordem de prender alguém de quem gosto. Será difícil não fazer exceções, mas preciso fazer meu trabalho."

Como boa parte do país, o Barrio Cementerio é uma colcha de retalhos feita de solidariedade, preconceito e ressentimentos gerados pela superlotação de escolas, a competição por empregos e a sobrecarga do sistema de saúde.

Com seus esforços para registrar os migrantes e expulsar os que estão no país de modo ilegal, o presidente Danilo Medina, que será candidato à reeleição em 2016, joga com a frustração sentida por muitos dominicanos em relação a seus vizinhos mais pobres na ilha de São Domingos.

Até agora, sob os olhares atentos do mundo, o governo dominicano ainda não promoveu as expulsões em massa temidas por muitos haitianos. Porém, a ameaça de apreensão já levou mais de 31 mil haitianos a deixarem o país, segundo cifras do governo. Eles optam por atravessar a fronteira com seus pertences em vez de correr o risco de perder tudo em uma deportação repentina.

As partidas podem não ter sido inteiramente voluntárias. Um guarda de fronteira haitiano declarou: "As pessoas que estão retornando me dizem que a polícia está trabalhando com gangues de rua. Estranhos vão de porta em porta tarde da noite e ameaçam tocar fogo na casa das pessoas."

Na cidade fronteiriça de Dajabón, caminhões carregados de móveis e colchões esfarrapados passavam entre as multidões que atravessavam a Ponte da Amizade, que passa sobre o rio onde, em 1937, o ditador dominicano Rafael Trujillo ordenou o massacre de mais de 10 mil haitianos.

Duas vezes por semana, milhares de comerciantes haitianos são autorizados a atravessar para o lado dominicano para comprar e vender tudo, desde roupas de segunda mão até louças.

Um lojista dominicano, Juan Liriano, conta que paga aos haitianos que trabalham para ele US$ 3,50 por dia, mais alimentação. Aos dominicanos, tem que pagar quase US$ 11, além da condução.
No entanto, ele diz que as pessoas precisam obedecer as leis de imigração. "Se eu fosse aos Estados Unidos sem papéis, seria deportado", comentou. "Qual é diferença?"

Joseph Vilno, um dos funcionários haitianos de Liriano, sustenta mulher e quatro filhos em seu país. Ele pagou US$ 65, para ele uma pequena fortuna, a um traficante de pessoas pela travessia do rio em barco. Vilno não sabe se será deportado nem se conseguirá voltar ilegalmente. "Não tenho outra escolha", disse. "No Haiti não há nada para mim."

No bairro Cementerio, na cidadezinha de Sabaneta, todo o mundo conhece todo o mundo. Algumas pessoas defendem seus amigos haitianos. Outros consideram que é hora de eles irem embora.

"Se estou vivendo neste país ou em qualquer outro como imigrante, tenho que encontrar emprego e trabalhar para ganhar o suficiente para legalizar minha situação", opinou Francisco Peguero, presidente da Cruz Vermelha local.

Perto dali, Fibian, jovem líder de uma gangue dominicana, é irredutível. "Se a polícia mandar uma patrulha ao meu bairro para procurar meus amigos, vou escondê-los na minha casa", disse. "Não entendo como você pode me perguntar sobre isso."

O dominicano Roberto, que trabalha na cidade de Cabarete, é casado com Yoseline, de ascendência haitiana. Yoseline não tem documentos, embora não seja por falta de procurar. Ela conseguiu uma declaração juramentada atestando que nasceu na República Dominicana. Apesar disso, a família recebeu uma carta dizendo que o documento é insuficiente.

"Imagine que sua mulher nasceu aqui, mas corre o risco de ser deportada para um país do qual não sabe nada", disse Roberto, falando sob a condição de sua família não ser identificada pelo sobrenome. "Ela pode ser mandada embora. Nosso casamento e nossas vidas podem ser destruídos."

Ele teme que seus filhos, de três e um ano de idade, sejam forçados a ir embora com sua mulher. Eles tampouco têm documentos.


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