Folha de S. Paulo


Desnutrição entre bebês na Índia é maior do que em países mais pobres

O primeiro filho de Juhi sobreviveu oito meses, antes de morrer de pneumonia. O segundo nasceu morto. O terceiro, que nasceu num riquixá, arfou por uma hora até morrer.

Juhi vive em uma favela da zona sul de Déli e usa apenas um nome. Quando engravidou pela quarta vez, uma profissional local de saúde a viu e a levou a um ambulatório médico. Ali, uma médica diagnosticou anemia grave, prescreveu comprimidos de ferro e pediu encarecidamente a Juhi que se alimentasse melhor.

Juhi deu ouvidos à médica e deu à luz um menino, Muhammad Sultan, que já sobreviveu ao seu primeiro aniversário. Trata-se de um marco importantíssimo em um país que tem um sexto da população mundial, mas um terço das mortes mundiais de recém-nascidos.

Kuni Takahashi/The New York Times
Mães e bebês recém-nascidos em hospital de Gurgaon, na Índia; subnutrição é altíssima no pais
Mães e bebês recém-nascidos em hospital de Gurgaon, na Índia; subnutrição é altíssima no pais

"Meus sogros estavam dizendo que fariam meu marido se casar com outra pessoa, porque eu não conseguia ter um filho saudável", contou Juhi, 26. "Foi por isso que deixamos nosso vilarejo. Mas agora minha sogra está satisfeita comigo."

Apesar de a Índia ter atingido altas taxas de crescimento econômico nos últimos anos, a saúde das crianças do país continua frágil. Uma criança criada na Índia tem muito mais chances de ser desnutrida que uma criança na República Democrática do Congo, no Zimbábue ou na Somália, os países mais pobres do mundo.

A falta de saneamento básico e as infecções resistentes a medicamentos afetam a nutrição.

Porém, outro fator importante é a saúde relativamente fraca das mulheres indianas jovens. Mais de 90% das indianas adolescentes são anêmicas.

Embora pesquisadores já soubessem há anos que as mães indianas tendem a ser menos saudáveis que as africanas, um estudo publicado no "The Proceedings of the National Academy of Sciences" mostrou que a disparidade é muito pior do que se acreditava até agora.

Analisando dados do censo, Diane Coffey, da Universidade Princeton e autora do estudo, constatou que 42% das mães indianas estão abaixo do peso ideal. No caso da África subsaariana, a cifra é de 16,5%.

Coffey calculou que as gestantes na Índia pesam menos no final da gravidez, em média, que as gestantes da África subsaariana pesam no início.

"Na Índia, as pessoas são mais ricas, têm nível de instrução mais alto e têm menos filhos que as da África subsaariana. Por isso, surpreende constatar que as crianças indianas são mais baixas e menores que as da África subsaariana", disse Coffey. "Agora, quando se leva em conta o estado das gestantes e mães na Índia, não é tão surpreendente assim."

Segundo Coffey, as pesquisas indicam que fatores genéticos não estão envolvidos nas diferenças de tamanho corporal das crianças, deixando fatores ambientais como a única explicação.

"Na Índia, as mulheres recém-casadas ocupam o último lugar na hierarquia das famílias", ela explicou. "Assim, justamente na época em que engravidam, espera-se das indianas que fiquem em silêncio, trabalhem muito e comam pouco."

Kuni Takahashi/The New York Times
Bebê prematuro é tratado em hospital de Gurgaon, na Índia; saúde no país é uma das piores do mundo
Bebê prematuro é tratado em hospital de Gurgaon, na Índia; saúde no país é uma das piores do mundo

A médica Shella Duggal, que atendeu Juhi no ambulatório, comentou que praticamente todas as gestantes que ela atende nas favelas de Déli sofrem de anemia grave. Segundo ela, uma das razões principais são parasitas, cuja transmissão é propiciada pela água suja e o saneamento básico inexistente ou insuficiente.

"A primeira coisa que fazemos é lhes dar remédios contra vermes e receitar suplementos de ferro", disse Duggal. "E eu as oriento a comer."

A médica disse que muitas de suas pacientes têm dificuldades em seguir essa prescrição. "Essas mães e gestantes são as últimas pessoas em suas famílias a receber alimentos", disse Duggal. "Primeiro a mulher alimenta seu marido e seus filhos. Ela mesma só come as sobras."

Juhi disse que está tentando se alimentar melhor. "Eu gostaria de ter mais um filho", explicou, com um misto de tristeza e esperança.


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