Folha de S. Paulo


Hidrelétrica ameaça glaciar na Argentina

Ativistas e geólogos argentinos estão preocupados com os possíveis impactos da construção de uma hidrelétrica no glaciar Perito Moreno, que fica no extremo sul do país, perto da fronteira com o Chile.

Uma petição online, que já tem mais de 33 mil assinaturas, chama a atenção para o fato de que não há um estudo de impacto ambiental da construção da represa da hidrelétrica no glaciar.

Perito Moreno é uma geleira de cerca de 250 km², um pouco menor que o território da cidade de Santos. Ela fica no Estado de Santa Cruz, berço político do casal de presidentes Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner.

E será justamente o nome do ex-presidente que batizará a usina hidrelétrica que pode ameaçar o bloco de gelo gigante.

Bao Feifei/Xinhua
Glaciar Perito Moreno, um dos maiores monumentos naturais argentinos, pode estar ameaçado por usina hidrelétrica
Glaciar Perito Moreno, um dos maiores monumentos naturais argentinos, está ameaçado por hidrelétrica

"Não há certeza de que algo acontecerá. O problema é que não estão estudando [essa possibilidade]. Vão começar a obra e, ao mesmo tempo, avaliar a consequência ambiental", afirma o engenheiro Gerardo Bartolomé, 52, que teve a iniciativa de fazer a petição na internet.

"Ou seja, é um estudo de impacto ambiental enquanto se faz o impacto ambiental. Sei que ninguém quer afetar o Perito Moreno, mas [as construtoras responsáveis pelo empreendimento e o governo] não estão convencidos da necessidade de estudos."

Em nota, o Ministério do Planejamento argentino afirma que "de nenhuma maneira a localização da hidrelétrica afetará o comportamento" de Perito Moreno.

Segundo a pasta, engenheiros da Universidade Nacional de La Plata, na província de Buenos Aires, foram contratados para acompanhar as obras e simular seu funcionamento.

"Isso não tem nada a ver com os glaciares. São os cálculos de funcionamento da segurança das represas", contesta Bartolomé.

A hidrelétrica custará pelo menos US$ 4,8 bilhões, dinheiro que vai ser financiado por bancos chineses.

Uma das empresas encarregadas pela obra, prevista para começar em janeiro, é a chinesa Gezhouba, a outra é a argentina Electroingeniería. Elas ganharam a segunda licitação para a construção; a anterior, que foi anulada, tinha sido vencida pela brasileira Camargo Corrêa em conjunto com uma companhia do próprio país.

Só essa hidrelétrica deve aumentar a capacidade de produção de energia da Argentina em 10%. Conseguir a autossuficiência energética é uma meta da administração de Cristina Kirchner.

A obra vai usar as águas do rio Santa Cruz, a 160 quilômetros da jusante de Perito Moreno, mas mesmo assim pode influenciar a existência da geleira, afirma o geólogo Jorge Rabassa.

Ele explica que a questão é a possibilidade de que as comportas da reserva artificial que serão feitas para a hidrelétrica vão ser fechadas para represar água e depois abertas para gerar energia.

Isso pode fazer com que o nível do Lago Argentino, que tem contato com a geleira, oscile entre 10 a 15 centímetros diariamente.

"Gelo é um sólido frágil, cheio de rachaduras, algumas delas de dezenas de metros de profundidade. E isso pode fazer com que se desprendam pedaços da geleira (como pequenos icebergs)", explica Rabassa.

O geólogo afirma que para evitar isso é preciso garantir que o nível do reservatório da empresa nunca esteja mais alto, topograficamente, do que o lago. "Daí a geleira não vai ser afetada", afirma.

Ele também explica que o glaciar de Perito Moreno fica ligado ao chão do lago e a paredões de terra e que, por isso, não diminui. Mas, se ele se desprender, pode diminuir a uma velocidade de quilômetros por ano.


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