Folha de S. Paulo


Acidentes escancaram a necessidade de integração ferroviária na Europa

Depois que um grave acidente ferroviário causou 79 mortes alguns meses atrás na Espanha, investigadores, sobreviventes e passageiros exigem saber por que a operadora da ferrovia confiou a segurança do trem a um único maquinista, que se vangloriava de exceder o limite de velocidade e estava falando no celular segundos antes do descarrilamento.

O choque perto de Santiago de Compostela, em 24 de julho, foi apenas um em uma série recente de acidentes mortíferos envolvendo trens na Bélgica, França, Espanha e Suíça. Os acidentes despertaram questões perturbadoras sobre a rede ferroviária europeia, por muito tempo motivo de inveja em todo o mundo.

Há 12 anos, a União Europeia pressiona para que os sistemas ferroviários nacionais virem um mercado unificado, como um elemento crucial da integração do continente.

A partir do ano que vem, a União Europeia planeja investir US$ 30 bilhões na integração de cerca de 20 redes ferroviárias nacionais já interconectadas. Porém, mesmo depois de anos de investimentos para esse fim, os países-membros estão enfrentando dificuldades para colocar em operação um sofisticado sistema unificado, dada a substituição dos monopólios estatais por operadoras ferroviárias privadas concorrentes.

Eloy Alonso/Reuters
Desastre de trem na Espanha, em agosto, despertou o debate sobre a integração dos sistemas ferroviários de toda a Europa
Desastre de trem na Espanha, em agosto, despertou o debate sobre a integração dos sistemas ferroviários de toda a Europa

O resultado é uma colcha de retalhos de sistemas velhos e novos, na qual trens de alta velocidade do século 21 muitas vezes operam em linhas construídas no século 19 para trens mais lentos e volume de tráfego menor.

Os mais avançados sistemas automatizados de frenagem não estão disponíveis em junções importantes. Assim, mais responsabilidade pela segurança recai sobre os maquinistas, que agora trabalham sozinhos na cabine devido aos cortes de pessoal que as companhias adotaram para reduzir custos.

"Costumava haver um agente de estação, um vigia nos trilhos e o maquinista", diz Giorgio Tuti, presidente do SEV, sindicato suíço dos trabalhadores do transporte. "Agora restou apenas o maquinista no trem, sem nenhuma companhia."

Muitas linhas nacionais dependem de sistemas antiquados. Documentos sigilosos que vazaram da investigação sobre o desastre na Espanha, publicados recentemente pelo jornal "El País", indicam que um alerta soou duas vezes antes do descarrilamento, mas que o sistema obsoleto de frenagem automática do trem só conseguiu desacelerá-lo parcialmente.

É nisso que a tecnologia transnacional de sinalização da União Europeia -o Sistema Europeu de Controle de Trens- deveria desempenhar papel crucial. Mas o sofisticado sistema de frenagem que a tecnologia incorpora não estava disponível no local do desastre do trem em Santiago de Compostela, porque não é possível instalá-lo nas porções convencionais da ferrovia, disseram as autoridades ferroviárias.

O maquinista, Francisco José Garzón Amo, foi acusado de homicídio culposo depois de admitir ter operado o trem a 179 km/h, mais de duas vezes o limite de velocidade do trecho.

Funcionários do governo espanhol anunciaram uma revisão de segurança e de medidas preliminares, entre as quais a proibição de uso de celulares pelos maquinistas. Há outras mudanças em estudo.

Uma junção frouxa entre trilhos foi considerada responsável pelo acidente de um trem de passageiros francês que, em 12 de julho, matou sete pessoas em um subúrbio de Paris, levando o presidente François Hollande a prometer mais recursos para a conservação dos trens regionais.

Mas os sindicatos de ferroviários se queixaram publicamente, no começo de setembro, dos cortes continuados de pessoal, do aumento do tráfego e da deterioração das linhas ferroviárias.

Depois que um trem carregado de produtos químicos tóxicos descarrilou em maio na Bélgica, matando uma pessoa, a imprensa local informou que o maquinista estava acima do limite de velocidade. Os sindicatos também exigem a mais recente tecnologia de frenagem.

Na Suíça, dois trens colidiram em 29 de julho, matando um maquinista. A operadora ferroviária do país está considerando acelerar a instalação de um sistema automático de frenagem. O plano atual envolve reequipar as linhas até 2035, a um custo de mais de US$ 2,6 bilhões.

Os maquinistas suíços consideram que a demora é excessiva e agora querem um funcionário suplementar no trem ou na estação para ajudá-los.

María Teresa Gómez-Limón, legisladora de Madri que sobreviveu ao acidente em Santiago de Compostela, disse: "Quando você viaja de avião, o piloto tem um assistente e tecnologia automática à sua disposição."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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