Folha de S. Paulo


"Dia de fúria" no Egito começa com tiroteios e dezenas de mortos

Os partidários do presidente deposto do Egito Mohammed Mursi começam nesta sexta-feira uma série de protestos contra o governo interino do país, no que foi chamado "dia da fúria" pela Irmandade Muçulmana. Nas primeiras horas de protesto, pelo menos 72 pessoas morreram.

Na capital Cairo, o fotógrafo da Folha Joel Silva, 47, foi atingido por um disparo de raspão na cabeça. Ele fotografava protestos de islamitas ao redor da cidade quando houve um confronto entre apoiadores e opositores de Mursi.

As manifestações foram convocadas dois dias após o massacre ocorrido na operação policial que desalojou dois acampamentos da Irmandade Muçulmana, entidade a que Mursi é filiado, que deixou pelo menos 638 mortos e mais de 4.000 feridos.

Diogo Bercito: No Cairo, o cheiro da morte
Análise: Convulsões no mundo árabe são dolorosas, mas também inevitáveis

Os acampamentos haviam sido montados em 3 de julho, dia em que o mandatário foi deposto por militares. Desde então, os islamitas protestam contra a operação, considerada um golpe de Estado, e se recusam a negociar com o governo interino, formado, em sua maioria, por liberais.

No Cairo, milhares de islamitas ocupam as principais ruas, pontes e praças em direção à praça Ramsés. No ponto de encontro, islamitas e a polícia trocam tiros e as forças de segurança disparam gás lacrimogêneo.

Segundo as forças de segurança, 50 manifestantes morreram na cidade após confronto com a polícia, a maioria em Ramsés. Dessas, dez foram mortas durante um ataque a uma delegacia próxima à praça, entre policiais e islamitas.

O número de vítimas, no entanto, pode ser maior. A Aliança Antigolpe, aliada de Mursi, diz que há 25 mortos e mais de cem feridos, enquanto a Irmandade Muçulmana fala em 45 mortos em um hospital de campanha montado na mesquita de Al Fath, perto da praça.

Presentes no mesmo local, repórteres da imprensa internacional afirmam ter mais de 20 corpos. Ainda na capital egípcia, um policial foi morto mais cedo em uma emboscada montada por islamitas em um bairro da periferia cairota.

Houve confrontos violentos também em Damietta, na costa do Mediterrâneo, onde oito pessoas, sendo cinco islamitas, morreram após enfrentamentos com a polícia. Em Ismailya, são quatro os manifestantes mortos durante tiroteio entre islamitas e as forças de segurança.

Na segunda maior cidade egípcia, Alexandria, pelo menos cinco pessoas morreram e mais de 40 ficaram feridas. Também houve cinco mortos e 70 feridos na cidade de Fayoum, no sul egípcio.

A manifestação foi convocada na noite de quinta pelo porta-voz da Irmandade, Gehad el-Haddad, para após a oração do meio-dia. "As manifestações contra o golpe de Estado partirão de todas as mesquitas do Cairo e se dirigirão à Praça Ramsés após a oração, para uma 'sexta-feira de fúria'".

Para o líder religioso da entidade, Mohammed Badie, os militares retiraram Mursi do poder para implantar uma ditadura.

MUNIÇÃO LETAL

As marchas acontecem após o governo interino do Egito autorizar oficialmente na quinta (15) o uso de armas e munição letal contra tentativas de depredar prédios do governo e ataques às forças de segurança. A polícia disse na quarta (14) que havia usado apenas balas de borracha na ação que terminou no massacre.

O grupo de ativistas Tamarod, que deu início aos protestos que derrubaram Mursi em julho, pediu, em rede nacional, que cidadãos tomem as ruas para proteger o povo egípcio dos manifestantes islamitas, em especial impedindo que se repitam os ataques a mesquitas e igrejas.

Enquanto isso, o governo interino cercou a praça Tahrir, uma das principais do Cairo e onde estão militantes liberais, contrários a Mursi e partidários do governo estatal. A intenção é evitar que os islamitas invadam a região.

As Nações Unidas pediram que ambas as partes usem "máxima contenção", diante da perspectiva de ser deflagrada no Egito uma guerra civil. O massacre de quarta-feira está sendo considerado o dia mais violento na história moderna do Egito.

A crise política foi iniciada em 3 de julho, com a deposição do presidente islamita Mohammed Mursi, hoje detido em local desconhecido. Após milhões terem ido às ruas pedindo sua renúncia, diante do fiasco econômico, as Forças Armadas tomaram a si a tarefa de impor uma transição política no país.

Editoria de Arte/Folhapress

Endereço da página:

Links no texto: