Folha de S. Paulo


Cena pós-punk pôs Thatcher na mira

"Quando você vai morrer?", perguntava sem rodeios o cantor Morrissey em "Margaret on the Guillotine", faixa de seu primeiro disco-solo, "Viva Hate", de 1988. A mensagem violenta da canção do ex-vocalista dos Smiths estava longe de ser um grito isolado no mundo pop durante a gestão Thatcher.

"Eu a odiava com todo o meu coração", contou à Folha Sheryl Garrett, que editou a revista "The Face" nos anos 80, e depois a seção de cultura do jornal "Observer".

Para intelectuais e artistas, Thatcher representava não apenas um governo conservador e autoritário, mas também a principal responsável pelo alto nível de desemprego e por exportar ao mundo a ideia de uma Inglaterra tirânica, que travou uma batalha injusta e desigual contra a Argentina durante a Guerra das Malvinas.

Quando Thatcher tomou posse, o movimento punk já estava em seus estertores. Sua herança, porém, foi expandir o alcance das mensagens que o rock era capaz de transmitir.

Com esse clima favorável ao engajamento político, os grupos de pós-punk, ska e pop tiveram mais liberdade para expressar posições ideológicas.

O ódio contra o regime thatcherista virou então a principal bandeira da música feita nessa época (leia trechos de algumas canções ao lado).

No clipe de "Ghost Town" (1981), os integrantes do The Specials passeiam pelas ruas desertas de uma cidade, fazendo referência ao desemprego e à falta de mobilização social.

Na letra de "Shipbuilding" (1982), Elvis Costello posicionava-se contra a guerra nas Falklands cantando a partir da perspectiva de operários ingleses que construíam os barcos que levavam o exército até lá.

Uma das principais vozes desse período foi o hoje lendário roqueiro socialista Billy Bragg que, ao lado de Paul Weller (The Jam) e Jimmy Sommerville (Communards), fundou, em 1985, o Red Wedge.

A ideia era arregimentar músicos para tentar engajar os jovens na política. Apoiaram greves e, em 1987, pediram que as pessoas votassem no Partido Trabalhista, para evitar uma nova vitória de Thatcher.

De um modo geral, os anos 80 na Inglaterra marcaram o auge da música de protesto. Um dos álbuns emblemáticos dessa época foi "Sandinista" (1980), do The Clash, cujo título referia-se à guerrilha de esquerda nicaraguense.

ARTE CLASSE MÉDIA

Para Garrett, uma das consequências mais importantes das transformações daquele período foi o fato de a nova ordem ter forçado as artes a virarem negócios rentáveis.

"Antes de Thatcher, era comum haver grupos de punk e de artistas de vanguarda de classes mais baixas. Ela pôs fim a isso. No sistema capitalista e individualista que implementou, a arte tinha de dar dinheiro." Para a jornalista, o brit-pop e a gêneros mais comerciais, como a acid house, viraram coisa de classe média ou alta e os jovens com menos recursos foram alijados do cenário.

"Se formos ver com os olhos de hoje, o punk foi um gênero que atingiu diretamente muito pouca gente em números absolutos. Depois dele viriam essas raves para multidões, o pop comercial", explica. Para ela, Thatcher acabou com o espaço para manifestações mais alternativas. "O mal que ela fez está aí até hoje e deve perdurar por muito tempo", conclui.

Texto gerado originalmente na Folha*, em 03/05/2009


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