Na primeira visita de um presidente do Irã ao Egito em três décadas, Mahmoud Ahmadinejad desembarcou ontem no Cairo com a esperança de que o novo governo egípcio islamita facilitará a reaproximação entre as duas potências do Oriente Médio.
Mas o primeiro dos três dias da agenda de Ahmadinejad deixou claro que profundas divergências geopolíticas e religiosas impedem a plena normalização entre os dois rivais.
Ahmadinejad foi recebido no aeroporto com beijos no rosto pelo colega egípcio Mohamed Mursi, um islamita sunita eleito no rastro da revolução que derrubou a ditadura pró-Ocidente de Hosni Mubarak, em 2011.
Embora esteja no Cairo como participante de uma cúpula de países islâmicos, o iraniano teve uma rápida conversa bilateral com Mursi.
Mas, em seguida, Ahmadinejad, xiita como a maioria no Irã, foi constrangido pelos anfitriões ao visitar a Universidade Al Azhar, epicentro intelectual do islã sunita.
Altos clérigos da Al Azhar cobraram do presidente que o Irã "respeite os sunitas", pare de fazer proselitismo regional e suspenda o apoio ao regime sírio contra rebeldes predominantemente sunitas.
As conversas foram tensas e houve bate-boca sobre questões teológicas que opõem sunitas e xiitas. Ahmadinejad ameaçou retirar-se. O incidente sucede outros constrangimentos causados pelo governo egípcio, que permanece um aliado dos EUA e das petromonarquias anti-Irã do golfo Pérsico.
Em agosto, Mursi aceitou convite para participar de uma cúpula com viés terceiro-mundista em Teerã, mas discursou atacando o apoio iraniano ao regime sírio.
No mês passado, Mursi repetiu as críticas, em tom exaltado, ao receber no Cairo o chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi. Fontes diplomáticas em Teerã relataram à Folha que Mursi advertiu Salehi de que o Irã "está do lado errado da história" no caso sírio.
Muitos comentaristas egípcios rejeitam o diálogo com o Irã, país persa acusado de interferir em assuntos árabes.
Apesar das tensões, Irã e Egito continuam em compasso de reaproximação, depois de três décadas sem manter contatos oficiais. Aliados quando o Irã era uma monarquia, os dois países romperam após a Revolução Islâmica iraniana, em 1979.
O Cairo havia deflagrado a ira de Teerã ao reconhecer o Estado de Israel e ao abrigar o xá deposto, Reza Pahlevi.
O Irã em seguida enfureceu o Egito ao batizar uma rua de Teerã com o nome do militante que assassinara o então presidente egípcio em represália à paz com Israel.
INTERESSE COMUM
Com a chegada ao poder de Mursi, os dois países reativaram embaixadas e iniciaram uma troca de visitas.
Segundo analistas, interessa a Mursi dialogar com o Irã para afirmar a independência da nova política externa egípcia. Já Teerã tenta capitalizar ao criar laços com um gigante regional aliado tradicional do Ocidente.
A Folha ouviu relatos de que o Egito aceitou proposta do Irã para criar um canal de troca de informações entre seus serviços secretos.