Folha de S. Paulo


Entidade judaica condena acordo entre Argentina e Irã sobre atentado

O Congresso Judaico Latino-Americano divulgou, nesta terça (29), uma nota de repúdio ao acordo firmado entre Argentina e Irã para a criação de uma comissão da verdade para apurar as responsabilidades do atentado contra a sede da Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), em 1994 --até hoje, o atentado mais violento da história do país, que deixou 85 mortos, em Buenos Aires.

"[A] Argentina deu um formidável passo atrás ao firmar um acordo com o Irã criando uma Comissão da Verdade para apurar, mais uma vez, o atentado terrorista cometido contra o edifício da Amia, em 1994, em Buenos Aires, que matou 85 pessoas", diz a nota do congresso, assinada por Jack Terpins, presidente da entidade.

O comunicado chama o Irã de "Estado terrorista" e afirma que "a atitude do governo argentino desqualifica os esforços realizados pela sua Justiça junto com a Interpol e cujas investigações apontaram o dedo acusatório na direção de cidadãos iranianos incumbidos de obedecer à determinação oficial de praticar um atentado exemplar e, nele, matar quantos pessoas fosse possível".

"Como encontrar a verdade realizando audiências em um Irã controlado pelo ministro da Defesa Ahmad Vahidi, que, junto com o ex-presidente Ali Akbar Rafsanjani, é o principal suspeito de planejar o atentado, e ambos procurados pela Interpol?", acresenta.

A nota também cita a prisão de 14 jornalistas pelo governo iraniano, ocorrida no fim de semana, acusados de cooperar com veículos de mídia estrangeira favoráveis à oposição, e cita a negação do governo iraniano de que o Holocausto tenha ocorrido.

Enrique Marcarian-18.jul.94/Reuters
Equipe de resgate trabalha sobre escombros do prédio da Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), 1994
Equipe de resgate trabalha sobre escombros do prédio da Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), 1994

PROMOTORIA

Promotores argentinos acusaram formalmente o Irã de ter planejado e financiado o ataque, executado pelo movimento xiita libanês Hizbollah. Em 2006, os responsáveis pelo caso solicitaram formalmente a extradição de oito iranianos acusados de envolvimento no ataque, incluindo Vahidi e Rafsanjani.

Teerã sempre negou qualquer participação no atentado e rejeitou as acusações de terrorismo contra seus cidadãos.

O acordo bilateral para a investigação foi anunciado pro Cristina Kirchner no domingo. Segundo o acordo, "autoridades judiciais argentinas poderão, pela primeira vez, interrogar pessoas para quem a Interpol emitiu notificação vermelha", afirmou a presidente argentina.

Kirchner considerou que se trata de um fato histórico porque garante o direito ao devido processo legal, princípio fundamental do direito internacional.

O Ministério das Relações Exteriores de Israel anunciou que fez um protesto formal ao embaixador da Argentina em Tel Aviv, Carlos García, contra o acordo. Em nota, o vice-chanceler, Danny Ayalon, disse que o acordo é como convidar o assassino a investigar os crimes que cometeu. Ele disse que Israel está profundamente decepcionado e pediu que Buenos Aires se explicasse sobre o acordo, além de pedir uma reunião com o chanceler Hector Timmerman.

O acordo causou polêmica e forte reação da comunidade judaica da Argentina, uma das maiores da América Latina. O presidente da Amia, Guillermo Borger, disse que a medida é inconstitucional e pede que os acusados sejam julgados no país sul-americano. "Isso é fora da lei e omite o trabalho da Justiça nesses últimos 18 anos. Fazer os depoimentos em Teerã é inconstitucional e fora de contexto."

Irã e Argentina estão em processo de reaproximação política para normalizar as relações bilaterais, que foram abaladas pelo atentado, mas nunca totalmente rompidas.


Endereço da página: