Folha de S. Paulo


20th Century Fox usou notícias falsas para divulgar filme 'A Cura'

Tentando explorar ao máximo as fraturas na paisagem política e de mídia dos Estados Unidos, a 20th Century Fox criou um grupo de sites de notícias falsas como parte de uma campanha viral de marketing para promover o novo filme do estúdio, "A Cura". Os sites veiculavam anúncios sobre o filme e faziam referências à sua trama em reportagens falsas sobre assuntos divisivos como o aborto, vacinas e o presidente Trump.

A Fox usou pelo menos cinco sites de notícias falsas cujo design foi concebido para parecer com o de sites noticiosos locais —Sacramento Dispatch, Salt Lake City Guardian, Houston Leader, NY Morning Post e Indianapolis Gazette— a fim de despertar indignação on-line e fomentar o interesse pelo filme, que foi produzido pela New Regency Preoductions e estreia esta semana.

A empresa usou outros sites noticiosos falsos para promover o filme, igualmente, o que inclui um site cujo design é semelhante ao do site federal de informações de saúde HealthCare.gov e um site que supostamente divulga uma companhia de água mineral na verdade inexistente. A Regency Enterprises e a 20th Century Fox admitiram sua participação nas operações de notícias falsas em um comunicado divulgado na terça-feira (14).

"O filme 'A Cura' é sobre uma cura 'falsa' que na verdade agrava as doenças das pessoas", o comunicado afirmava. "Como parte da campanha para o seu lançamento, um site falso sobre bem-estar [wellness], healthandwellness.co, foi criado, e formamos uma parceria com um criador de notícias falsas para publicar notícias falsas".

Uma porta-voz da Fox, Daria Vogel, se recusou a responder a perguntas sobre o comunicado na terça-feira, entre as quais se as empresas envolvidas já usaram outros sites de notícias falsas para promover filmes no passado. A empresa é controlada pelo Fox Entertainment Group, que também é dono do Fox News Channel e da Fox Business Network, duas operações noticiosas.

"A Cura" foi dirigido por Gore Verbinski e é estrelado por Dane DeHaan e Jason Isaacs, que no passado trataram com humor o fenômeno das falsas notícias. O filme estreia nos Estados Unidos na sexta-feira (17), e as resenhas iniciais são em geral negativas. Um crítico, Joe Dziemianowicz, do jornal "Daily News", descreveu a trama como "cretinice gótica absurda".

Os cinco sites que se sabe terem sido parte da campanha de notícias falsas para o lançamento saíram do ar depois que a operação foi revelada pelo BuzzFeed na terça-feira. Os usuários que buscaram os endereços dos sites foram encaminhados ao site oficial do filme, mas versões de arquivo de alguns dos artigos postados continuavam disponíveis on-line.

As supostas reportagens que os sites publicavam buscavam o sucesso viral que fez das falsas notícias uma grande força na mídia on-line, mesmo que a maioria delas não tivesse relação com o filme. Algumas foram compartilhadas milhares de vezes nas mídias sociais por usuários que pareciam acreditar que fossem verdadeiros artigos noticiosos, e outras foram reproduzidas em sites vinculados a partidos políticos, como o Red State Watcher.

Uma lista parcial das manchetes publicadas como parte da campanha de divulgação do filme inclui:

"Senador do Utah apresenta projeto de lei para encarcerar e humilhar publicamente mulheres que façam abortos".
"BOMBA: Trump e Putin vistos em resort suíço antes da eleição".
"VAZAMENTO: Show de Lady Gaga no Super Bowl incluirá tributo aos muçulmanos".
"Trump se recusa a oferecer apoio federal à Califórnia quanto a desastres naturais, e cita cidades-santuário".
"Legislativo californiano debate reduzir impostos de mulheres que façam abortos".

Lynn Walsh, presidente da Sociedade de Jornalistas Profissionais dos Estados Unidos, afirmou em e-mail que as empresas têm a responsabilidade de promover "um compartilhamento de informações ético e responsável, não importa qual seja a intenção ou propósito do veículo".

"Neste país, temos o direito de falar e de publicar informações livremente, e isso é bom", disse Walsh. "Mas se alguém ou alguma empresa está publicando informações incorretas e tentando fazê-las parecer notícias reais, acreditamos que o conteúdo deva ser identificado devidamente, com uma declaração muito explícita de que ele não é verdadeiro e não contém fatos reais".

A 20th Century Fox e a New Regency Productions não seguiram essa norma.

"Eles claramente cruzaram a linha", disse Bonnie Patten, diretora executiva da TruthinAdvertising.org, uma organização que fiscaliza a publicidade em defesa do consumidor. "Usar um site de notícias falsas a fim de atrair consumidores para a compra de ingressos de cinema é basicamente uma forma de marketing enganoso".

Uma reportagem publicada como parte da campanha informava que Trump havia proibido por 90 dias o uso de vacinas para sarampo, caxumba e rubéola. A reportagem foi publicada pelo Houston Leader e teve sua veracidade negada pelo site Snopes, que verifica notícias e classificou o site como "parte de um grupo de sites de notícias falsas que fingem postar notícias verdadeiras ao emular a aparência dos sites de grandes jornais metropolitanos".

Outra reportagem falsa informava que a Associação Médica Americana havia reconhecido uma forma de ansiedade ou depressão associada a Trump e chamada de "Distúrbio de Depressão Trump", que segundo a reportagem afetava um terço do país. A reportagem instava os leitores a postarem tweets com a hashtag #cureforwellness (nome do filme em inglês) a fim de "conscientizar a população sobre a crescente epidemia".

Alguns dos sites de notícias falsas usados para a divulgação do filme continuavam ativos na noite de terça-feira, incluindo o site de saúde e bem-estar e o site da falsa distribuidora de água mineral, que informava obter seu produto de uma aldeia suíça (inexistente). O site criado para se parecer com o HealthCare.gov (seu nome é HealthCureGov.com) também continuava ativo.

Vogel, a porta-voz da Fox, se recusou a explicar por que os sites em questão não haviam sido desativados. Um telefonema ao suposto escritório do healthandwellness.co não foi atendido, e mensagens enviadas aos e-mails das seis pessoas que o site reporta como seus "editores executivos" retornaram por problemas com os endereços.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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