Folha de S. Paulo


Análise

Derrota na OMC força Brasil a buscar caminhos para política industrial

Nacho Doce - 13.ago.2013/Reuters
Trabalhadores na produção de automóveis da montadora Ford, em São Bernardo do Campo (SP). O Governo pode elevar a quantidade exigida de auto-peças brasileiras em um véiculo para que as montadoras recebam os incentivos fiscais previstos no regime automotivo. *** Brazilian workers polish Ford cars on a assembly line at Sao Bernardo do Campo Ford plant, near Sao Paulo August 13, 2013. The pace of vehicle production in Brazil slipped in July to the lowest daily rate in five months as factories, facing sagging consumer confidence, scaled back output, industry data showed on August, 6. Anfavea, the national automakers association, said automobile production in Brazil fell 2.7 percent from June, even though July had three additional work days. Factories produced about 13,600 cars a day, the lowest rate since February. REUTERS/Nacho Doce (BRAZIL - Tags: TRANSPORT BUSINESS EMPLOYMENT)
Trabalhadores na produção de automóveis; setor automobilístico é um dos beneficiados por incentivos

A disputa comercial movida pela União Europeia e o Japão contra sete regimes da política industrial brasileira traz lições. O Brasil perdeu o caso na fase do painel, equivalente à primeira instância do sistema de solução de controvérsias da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Cabe recurso na segunda instância, mas é pouco provável que haja reversão significativa das decisões.

Quando finalizada essa etapa, o Brasil terá atravessado sua pior derrota na OMC. Houve outros dois casos em que instrumentos da política industrial local foram questionados por parceiros -o regime automotivo do governo FHC e o apoio do Proex à Embraer. Em nenhum deles houve uma contestação (e condenação) tão ampla.

Apesar da derrota, o Brasil continua a ser o quarto maior usuário do sistema de solução de controvérsias da organização, o maior entre os países em desenvolvimento e o mais ofensivo entre os membros do G20, atrás apenas do Canadá. Nos últimos dois anos, o país iniciou quatro disputas para assegurar o acesso a mercado para açúcar (Tailândia), produtos siderúrgicos (EUA) e carnes (Indonésia, duas vezes).

Assim, a primeira lição é que participar da OMC continua a ser um bom negócio.

Na disputa atual, o Brasil foi condenado por utilizar regimes que, grosso modo, baseiam-se em quatro medidas proibidas: discriminação tributária entre produto doméstico e importado, subsídios vinculados à exigência de conteúdo local, subsídios à exportação e exigências relacionadas à realização de investimento direto estrangeiro.

De fato, parte desses regimes viabilizou investimentos em segmentos específicos da indústria brasileira, que, provavelmente, não se realizariam em sua ausência. No entanto, alguns dos instrumentos poderiam ser substituídos por políticas horizontais, pois sua função é assegurar que as empresas possam competir sem serem afetadas pelo "custo Brasil".

Como consequência, a segunda lição da disputa é que a derrota cria um estímulo positivo à realização de reformas há muito adiadas, como a tributária.

Por fim, cabe uma afirmação sobre a natureza dos acordos da organização. A OMC não é antipolítica industrial "per se", mas é fato que instrumentos utilizados no passado pelas atuais potências comerciais não estão mais disponíveis a países como o Brasil.

Desse modo, a terceira lição da disputa é que governo e setor privado brasileiros devem avaliar, com calma, como formular e executar política industrial.

Há três caminhos possíveis: adequá-la às regras existentes, negociar a modificação das regras (processo com elevado grau de incerteza e prazo longo) ou adotar e manter regimes vulneráveis a questionamentos.
Toda grande economia que perde um caso dessa magnitude avalia esses caminhos. Para tanto, o primeiro passo é, justamente, reconhecer as lições dessa disputa.

DIEGO BONOMO é gerente-executivo de comércio exterior da CNI (Confederação Nacional da Indústria); JOÃO EMILIO GONÇALVES é gerente-executivo de política industrial da CNI; SORAYA ROSAR é gerente-executiva de negociações internacionais da CNI.


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