Folha de S. Paulo


Presidente da Andrade Gutierrez busca sanear empresa e preparar sucessão

Leo Pinheiro/Valor
Ricardo Sena, que preside a empresa desde a prisão de seu antecessor na Lava Jato

Os funcionários da Andrade Gutierrez ainda estavam atônitos com a prisão de Otávio Azevedo, presidente do grupo havia oito anos, quando uma mensagem piscou em suas caixas de correio: Ricardo Coutinho de Sena assumiria de imediato o comando, ao menos de forma interina.

Desde junho de 2015, quando a Operação Lava Jato abateu o então homem forte da empresa, Sena só acumulou poder. Hoje, ocupa ao mesmo tempo os cargos de presidente do conselho de administração do grupo, da holding e da AG Engenharia, divisão que comanda a empreiteira.

O executivo mineiro, de 68 anos, tornou-se assim o rosto do conglomerado, que, mesmo atingido pela Lava Jato, segue como um dos maiores do país, com receitas de R$ 10 bilhões e negócios em construção, energia e concessões de serviços públicos.

Dois anos e meio antes de sua ascensão acidental, por pouco Sena não deixou o grupo. Na companhia desde a década de 1980, ele decidira que queria se aposentar. Na época, era presidente da AG Concessões, unidade que ajudou a idealizar e viu se tornar uma das principais do grupo.

Atuava ainda como uma espécie de tutor da terceira geração das famílias controladoras, que haviam iniciado a preparação para assumir o comando. Eles participavam do que internamente era chamado de "conselhinho".

A ideia de Sena àquela altura era deixar o dia a dia no escritório, em Belo Horizonte, e passar a oferecer consultorias. Sérgio Andrade e os demais acionistas propuseram que ele se tornasse então consultor da própria Andrade Gutierrez. E que passasse a participar, como convidado, do conselho de acionistas.

Sua primeira missão seria montar uma nova estrutura -ou uma nova "governança", no jargão corporativo- para o coração do grupo, a AG Engenharia. Meses depois, ainda em 2013, Sena fora convidado a assumir em definitivo a presidência da unidade.

APOSTA

As trajetórias de Sena e Otavio Azevedo no grupo têm semelhanças -e desfechos bem distintos. Azevedo ganhou poder e prestígio ao liderar a AG Telecom, que se sagrou vencedora no leilão de privatização da antiga Telebrás ao arrematar a empresa que daria origem à Oi em parceria com Carlos Jeiressati.

A área foi criada na década de 1990 por causa da vontade do grupo de diversificar seus negócios, então muito concentrados em construção.

Sena, que na época era chefe do departamento de orçamentos, foi chamado para a área de novos negócios. Cresceu com sua aposta na criação da CCR. A ideia era unir concessões de serviços públicos administradas pela Andrade e por duas rivais, a Camargo Corrêa e a Odebrecht.

Para um ex-executivo do alto escalão do grupo, o mérito de Sena foi barrar a contratação automática das empreiteiras para realizar obras das concessionárias do grupo. Para ele, sempre se perderia de um lado e, por isso, era preciso que as sócias se comprometessem a disputar concorrências com outras empresas. A CCR, que lançou ações em 2002, atualmente vale R$ 26 bilhões na Bolsa.

"Ricardo é do tipo que fala: faço, mas tem de ser do meu jeito. Ele se acha. Mas é um arrogante com razão. Entende do que está fazendo", descreve um executivo.

APOLÍTICO

Sena é descrito por colegas como um executivo discreto e com pouquíssima tolerância para convescotes políticos. "Otávio não só fazia aquilo muito bem como adorava sentar e conversar com um deputado, com um senador", conta outro executivo.

O traço sociável de Azevedo, juntamente com os bons resultados da área de telefonia -a AG Telecom chegou a gerar metade da receita do conglomerado nos melhores momentos-, lhe alçaram ao topo em 2007. Apesar disso, Sena seguia reportando-se diretamente aos controladores.

Com a prisão de Otávio, que mais tarde tornou-se um dos delatores da Andrade Gutierrez, Sena virou candidato natural à sucessão. Além do tempo de casa, não tinha envolvimento com o escândalo.

Sua interinidade era para durar dois meses. Conforme ficou claro que Azevedo não voltaria, Sena foi efetivado na posição -Azevedo cumpre hoje prisão domiciliar no Rio.

Até aqui, Sena só apareceu na Lava Jato citado em mensagens irrelevantes trocadas com outros executivos. Numa delas, lamenta a vitória de Dilma Rousseff em Minas Gerais nas eleições em 2014: "Vergonha de ser mineiro!", disse.

À frente do conglomerado, ele tem agora duas missões: deixar a Lava Jato para trás e preparar sua sucessão num grupo com receitas em queda. O objetivo é focar construção e infraestrutura e vender tudo o que for possível fora dessas áreas, como o estádio Beira-Rio, por exemplo.

A Andrade Gutierrez fechou acordo com a Lava Jato e se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão. Mas, com o avanço de outras delações, terá que voltar à mesa de negociação. O Ministério Público quer saber se seus executivos contaram mesmo tudo o que sabiam.

Em março, Sena entrega o comando da engenharia a Clorivaldo Bisinoto, que já trabalha na empreiteira. Não há prazo -nem nome claro- para substituí-lo no comando do grupo. Para quem queria se aposentar, Sena arrumou distração para uns bons anos.

O GRUPO

Como era em 2013

Faturamento: R$ 15 bilhões

Funcionários: 210 mil

Como ficou em 2015

Faturamento: R$ 10 bilhões

Funcionários: 120 mil

Vendeu empresa de dessalinização no Peru e se desfez de fatia na Oi


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