Folha de S. Paulo


Após compra da SABMiller, desafio é AB InBev dar retorno aos acionistas

Dado Ruvic/Reuters
Cerveja Stella Artois: acionistas da SABMiller aprovaram a compra da empresa pela AB InBev
Cerveja Stella Artois: acionistas da SABMiller aprovaram a compra da empresa pela AB InBev

A Anheuser-Busch InBev acordará para a realidade de seu lema "sonhe grande" nesta segunda-feira (10), quando a oferta de £ 79 bilhões da fabricante da cerveja Stella Artois pela SABMiller, uma rival de menor porte, será implementada, e começará o árduo trabalho necessário para cumprir as promessas de retorno feitas aos acionistas.

A combinação entre as duas maiores fabricantes de cerveja do planeta levou fatigantes 13 meses para ser concluída. A AB InBev, agora ampliada, começará a ter ações negociadas na terça-feira (11) como quinta maior fabricante de bens de consumo do planeta, com faturamento anual de US$ 55 bilhões, ante US$ 44 bilhões antes da tomada de controle da rival.

Isso torna a AB InBev maior que a Coca-Cola, mas menor que a Nestlé, Procter & Gamble, PepsiCo e Unilever, em termos de faturamento.

Ainda que a aquisição da britânica SABMiller pela AB InBev tenha atingido um montante considerável —ela se tornou a maior aquisição de uma empresa britânica e a terceira maior aquisição na história do planeta—, representa apenas a mais recente em uma longa série de transações realizadas pelo grupo cervejeiro belga nos últimos 27 anos.

As aquisições fizeram de uma empresa que em seu passado atendia apenas o mercado nacional brasileiro a maior fabricante de cerveja do planeta, hoje responsável por um quarto das vendas mundiais de cerveja e abocanhando 45% do lucro do setor.

No processo, os três acionistas brasileiros que servem como força propulsora para a criação desse império —Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira— se tornaram bilionários.

Os analistas afirmam que a AB InBev pode aproveitar a presença da SABMiller nos mercados emergentes, especialmente na África, a fim de lhe propiciar crescimento muito necessário, mas acautelam que integrar a companhia britânica provavelmente será um desafio maior que os de tomadas de controle anteriores.

Alicia Forry, analista da Liberum, afirma que "a AB InBev precisava dessa transação. A perspectiva de crescimento de lucro da empresa [sem uma nova tomada de controle acionário] era discreta em médio prazo, porque o mercado dos Estados Unidos continua lento, a América Latina está passando por desaceleração e as sinergias de passadas transações estão se esgotando".

HISTÓRICO

A AB InBev tem um histórico de sucesso na integração das empresas que adquire, e em extrair economias de custo em larga escala.

Isso ajudou a elevar a margem de lucro da empresa e torná-la a mais alta do setor. Em termos de receita anterior aos juros, impostos, depreciação e amortização, a margem de lucro da empresa subiu de 26% em 2004 a 38,6% no ano passado, de acordo com os analistas do banco Jefferies.

A prioridade da AB InBev é reduzir as dívidas que ela teve de contrair para financiar a tomada de controle da SABMiller. A dívida líquida do grupo quando a transação for concluída mais que dobrará, para US$ 100 bilhões, o que representa um salgado múltiplo de 4,5 vezes sobre a receita anterior aos juros, impostos, depreciação e amortização, de acordo com estimativas dos analistas da Liberum.

Isso ficaria bem acima do múltiplo de duas vezes a receita anterior aos juros, impostos, depreciação e amortização que segundo a AB InBev representa sua estrutura de capital ideal.

A despeito da dívida alta, a agência de classificação de crédito Moody's manteve a classificação dos papéis da empresa no grau de investimento, mencionando sua "vasta lucratividade e as propriedades vastas e diversificadas".

Ao longo dos 10 últimos anos, o retorno total para os acionistas da empresa foi de 492%, superado no setor de bebidas alcoólicas apenas pelo da SABMiller, que atingiu os 508%, de acordo analistas da Bernstein.

A SABMiller é a empresa mais complexa que a AB InBev adquiriu até o momento, com operações espalhadas por 70 países, a maior parte dos quais de mercado emergente. A AB InBev opera em 26 países, e dois deles —Brasil e Estados Unidos— respondem por quase metade de suas vendas.

Os alvos anteriores do grupo tendiam a ter foco regional, o que tornava mais fácil integrá-los, como no caso da Anheuser-Busch, fabricante da cerveja Budweiser, nos Estados Unidos, e no da Modelo, fabricante da cerveja Corona no México.

CHOQUE DE CULTURAS

Também existe o perigo de um choque de culturas, dada a abordagem de alta centralização da AB InBev, diferente do estilo mais frouxo de controle da SABMiller.

Robert Ottenstein, analista da Evercore ISI, diz que a situação será um teste para a AB InBev. "A empresa se considera como uma escola prática para gestores de negócios de classe mundial: executivos que podem interferir em qualquer situação, em qualquer parte do mundo, e obter resultados", ele disse. "Essa abordagem é vista como algo que transcende culturas e facilita a integração de negócios diversificados".

A despeito dos desafios, a maioria dos analistas e investidores antecipa que a AB InBev venha a superar o corte de custos anual de US$ 1,4 bilhão que ela prometeu obter com a aquisição da SABMiller, em quatro anos, ante um custo adicional inicial de US$ 900 milhões.

Essa meta de US$ 1,4 bilhão de redução de custos equivale a 13% das vendas líquidas da SABMiller —levando em conta a venda de ativos da empresa como as cervejas Peroni e Grolsch. A redução de custos prevista fica perto do extremo mais baixo da faixa de entre 12% e 21% de corte de gastos obtida pela empresa em transações anteriores, dizem os analistas do Jefferies.

DEMISSÕES

Como parte da campanha de corte de custos, 5,5 mil postos de trabalho serão eliminados —ou cerca de 3% da força de trabalho combinada das duas empresas. A AB InBev calcula que 30% da redução de custos virá do fechamento de escritórios locais em mercados onde haja sobreposição, 25% do uso de sua influência ampliada para forçar baixa de preços nas matérias-primas e embalagens, e o restante, em termos amplos, de ganhos de eficiência na produção e distribuição, e de avanços na produtividade.

No entanto, a AB InBev já admitiu que será difícil cortar muitos custos na África, um continente onde ela mal está presente. Para ajudar a aprovação das autoridades regulatórias à transação, ela assumiu o compromisso de criar empregos na África do Sul.

Mas é a África que servirá de referência para avaliar o sucesso da transação, no futuro. No ano passado, o mercado mundial de cerveja caiu em 1% em termos de volume de vendas, mas a África registrou crescimento de 3%, de acordo com a consultoria Plato Logic.

Como disse Carlos Brito, o presidente-executivo da AB InBev, em agosto, "essa combinação tem por objetivo acelerar o crescimento da receita. E uma região que propelirá boa parte desse crescimento é a África".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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