Folha de S. Paulo


Livro critica onipresença do PIB na avaliação do desenvolvimento

A previsão do FMI é que a economia brasileira irá encolher 3% neste ano e 1% em 2016. Há uma boa chance de que, no futuro, esses números sejam as principais marcas desses dois anos.

O PIB é a medida dominante do desempenho da economia e a maneira mais comum de avaliar se o país está bem. A ideia de um único índice como um número que sumariza o desempenho de toda a economia de uma nação é recente. E também é errada, argumenta o historiador da economia e ambientalista Dirk Philipsen, da Universidade Duke (EUA).

Ele publicou o livro "Little Big Number" [Pequeno grande número"] para descrever como o PIB foi inventado, como esse cálculo conquistou rapidamente a supremacia da macroeconomia e por que, no entendimento de Philipsen, trata-se de um número de pouca qualidade.

A primeira vez que se calculou qual era a renda de uma nação foi em 1933, nos EUA. Já era nítido que o país estava em uma grande depressão, mas não havia uma medida do tamanho da diminuição da atividade.

Um economista de origem russa chamado Simon Kuznets comandou os estudos e estimativas e os publicou em um relatório chamado "Renda Nacional 1929-1932".

Kuznets já vinha se esforçando para tentar fazer um cálculo do total dos produtos e serviços de um país em um período, mas foi a pressão política de senadores dos EUA que permitiu recursos e especialistas para que fosse possível criar um índice que traduzisse a economia em uma única medida.

"Apesar de as pessoas não o saberem então, ["Renda Nacional 1929-1932"] representou um passo gigantesco em direção a uma articulação de objetivos econômicos. Não é exagero dizer que hoje, toda a economia mundial segue o script básico que foi inicialmente redigido nesse relatório", escreve Philipsen.

O PIB foi apresentado ao mundo em janeiro de 1934, no Senado dos EUA. Não demorou muito para que o Produto Interno Bruto se tornasse o dado ao qual se dá mais importância entre todas as informações econômicas que um país gera.

O cálculo das contas nacionais ajudou os EUA na Segunda Guerra –o número foi usado pelos norte-americanos para saber o quanto sua indústria bélica aguentaria produzir.

Em 1944, quando se formalizou a criação do Banco Mundial e do FMI, o PIB já era uma referência para os países desenvolvidos. Em 1954, todas as nações capitalistas adotaram a medida, seguindo uma resolução da ONU. Havia se passado 20 anos de sua estreia.

DISTORÇÕES

O problema é que o número favorece a quantidade de transações de maneira indiscriminada. Philipsen dá exemplos de itens essencialmente ruins que são positivos para o PIB: liquidar os ativos de um negócio infla a economia no curto prazo, mas é um algo que deve ser evitado. Uma batida de carro movimenta o PIB, assim como um vazamento de óleo, mas são acontecimentos essencialmente negativos, argumenta.

Além disso, há muito que ele deixa de fora. Se um casal cuida de seu próprio filho, o PIB não se mexe. Mas se o mesmo trabalho for feito por uma babá, a economia cresce.

O principal problema, no entanto, é que o número fácil de entender, que ora cresce 7%, ora diminui em 3%, tornou-se quase que o único objetivo a ser perseguido. "O número deixou de ser uma descrição da economia e virou uma prescrição do que deve ser feito", diz o autor, em entrevista à Folha.

O autor concede que a questão que o livro se propõe a discutir tornou-se mais urgente, mas não é nova. Ela já foi colocada no passado por outros economistas, inclusive Kusnetz.

Philipsen cita o criador do PIB, que já em 1937 escreveu que era necessário criar um índice que "subtraia custos implícitos na civilização econômica".

A questão é colocada logo na introdução, para ser repetida ao longo do texto: "A nossa medida mais relevante de desempenho não diz nada a respeito da qualidade de vida ou mesmo se nossas atividades são viáveis. Ela só nos diz quantas coisas foram produzidas e quanto dinheiro foi trocado de mãos. E o resultado é que diferentes culturas no mundo inteiro promovem, literalmente, o crescimento cego e irracional –e cada vez mais perigoso".

Citando o economista Thomas Piketty, ele diz que a era de crescimento dos PIBs nacionais será finita, e que em 20 anos isso será nítido para todos, mas até lá isso trará problemas.

ALTERNATIVAS

No fim do livro, o autor cita iniciativas que contemplam as deficiências que ele enxerga no cálculo do PIB. Ele as separa em categorias: uma delas são números mensurados em dinheiro, assim como o atual, mas mais espertos; outras são indicadores de qualidade de vida não-monetários.

Entre os primeiros que aparecem no livro estão o GSI (genuine savings indicator), do Banco Mundial, e uma série de PIBs "verdes" que subtraem do resultado final as atividades que torpedeiam a capacidade do ambiente de produzir. Entre os índices não monetários está a pegada ecológica, que mede quantos mundos seriam necessários para manter um determinado padrão de vida.

Uma terceira possível forma de medir a economia seria uma mistura de formas monetárias e não-monetárias, como o Índice de Desenvolvimento Humano, das Nações Unidas, e o Índice de Felicidade (HPI, "Happy Planet Index"), de um centro de pesquisas londrino chamado New Economics Foundation, que foi imaginado para ser usado em composição com números monetários.

Porém trocar a métrica é enormemente difícil, diz Philipsen. Para ele, a ideia de que um PIB robusto resolve todos os problemas (ambientais, sociais, de justiça etc.), embora errada, é arraigada nas cabeças de quase todos.

"Quando você, como um brasileiro, e eu, como um americano, falamos sobre 'a economia', temos um entendimento comum, e ele é 100% baseado no que é medido pelo PIB. É algo tão internalizado que não conseguimos imaginar relações internacionais, comércio, finanças, desempenho econômico fora desse regime. E há interesses para que isso continue assim, mas há boas alternativas que podem, ao menos em teoria, substituir esse indicador."

THE LITTLE BIG NUMBER
AUTOR Dirk Philipsen
EDITORA Princeton University Press
QUANTO US$ 26
AVALIAÇÃO bom


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