Folha de S. Paulo


Em livro, economista propõe 15 medidas para diminuir a desigualdade

Por que investir em estudos para carros sem motorista? Essa decisão, motivada por razões comerciais privadas, pode não estar alinhada ao interesse público. O Estado deveria se preocupar com os rumos das pesquisas, incentivando inovações que considerem o aumento de emprego e a dimensão humana do trabalho.

O papel decisivo do Estado no desenvolvimento científico é o primeiro ponto do plano de 15 medidas do economista britânico Anthony Atkinson para enfrentar a crescente desigualdade econômica. Suas ideias estão descritas em detalhes em "Inequality - What Can Be Done" [desigualdade _o que pode ser feito].

É um projeto audacioso. Propõe taxar, de forma progressiva, muito mais os mais ricos (alíquotas de 65%), as propriedades, as heranças, as transmissões de bens intervivos. Quer mais recursos públicos para os mais pobres, aumentando benefícios de seguridade social e fazendo transferências de renda.

Advoga uma política anti-desemprego, com o Estado garantindo vagas a salário mínimo para quem não tem trabalho. O governo também deveria interferir em remunerações, não deixando que salários fossem definidos apenas pelas leis de mercado. Políticas de valorização do salário mínimo são essenciais no seu desenho.

Atkinson, 70, lembra dos versos da balada "My Back Pages", de Bob Dylan, para defender que jovens pobres, ao entrarem na vida adulta, recebam uma quantia. A proposta, originalmente apresentada pelo revolucionário Thomas Paine (1737-1809), seria uma espécie de herança generalizada.

"Não há nada intrinsicamente errado com a herança. O problema é que ela é altamente desigual. Se todo mundo herdasse a mesma quantia, o campo de jogo estaria nivelado. Um passo nessa direção é garantir que todo mundo receba uma herança mínima", diz o autor, professor da London School of Economics.

Aos que alegam que não há dinheiro para essas medidas, Atkinson rebate com números e questionamentos sobre os parâmetros da teoria neoliberal. Dá exemplos para a viabilidade de algumas de suas ideias _ao menos na economia do Reino Unido.

ALTERNATIVAS

O cerne do trabalho é atacar a visão de que "não há alternativa" às atuais políticas concentradoras de renda e que a desigualdade crescente é inevitável. Para ele, apesar de uma economia cada vez mais globalizada, cabe aos governos decidir que rumo tomar _e há espaço para mudança:

"O impacto na extensão da desigualdade depende da política doméstica e essa é uma das razões pelas quais há mais avanços na desigualdade em alguns países do que em outros, apesar de enfrentarem desafios externos similares", afirma.

Centrado na Europa e nos EUA, o livro cita a redução de desigualdade na América Latina no início deste século, elogiando o Bolsa Família e a valorização do salário mínimo no Brasil. Segundo ele, bons exemplos da eficácia das políticas nacionais no enfrentamento da desigualdade.

Na história, Atkinson vai buscar no entreguerras e no pós-guerra ações que explicam a queda na desigualdade no período. Naqueles tempos, os impostos para os ricos eram elevados e cresceram os gastos com programas sociais, transferências de renda, serviços de saúde e previdência. Na Europa, consolidou-se o Estado do Bem-Estar; nos EUA, avançou o New Deal.

Num microexemplo, o autor lembra que, até 1961, os jogadores de futebol do Reino Unido tinham um teto salarial semanal de 20 libras _equivalente à média de remuneração no país. Hoje, sem qualquer regulação, eles podem ganhar mais de 500 vezes a média.

Atualmente, nos EUA, o 1% mais rico recuperou a fatia de renda que abocanhava há 100 anos _perto de um quinto da renda, ou 20 vezes sua fatia proporcional.

Se Thomas Piketty esmiuçou a evolução dos números da desigualdade no mundo rico em seu "Capital do Século 21", Atkinson se esmerou nas propostas de mudança. Para quem se frustrou com as sugestões vagas e utópicas expostas nas conclusões do best-seller francês, o livro do veterano estudioso britânico é um roteiro provocativo.

Falha ao não aprofundar a discussão política de seu projeto. Afinal, como afirma o autor, o balanço de poder atual prejudica trabalhadores e consumidores. Mais do que isso, é preciso lembrar que os avanços na redução da desigualdade no pós-guerra ocorreram quando da Guerra Fria, num quadro de disputa ideológica por projetos de sociedade.

Atkinson também pouco explora questões como o papel das megacorporações e dos paraísos fiscais. Ressalta que seu livro não é um exercício de utopia. E acerta ao apontar que os atuais níveis de desigualdade são inconsistentes com a concepção de uma sociedade boa e ameaçam a democracia.

Inequality - What Can be Done
AUTOR Anthony Atkinson
EDITORA
QUANTO
AVALIAÇÃO muito bom

15 MEDIDAS
Economista Anthony Atkinson propõe plano contra desigualdade

1. Direcionar a mudança tecnológica para a geração de empregos, enfatizando dimensão humana
2. Buscar políticas públicas que tenham dimensão distributiva, garantindo ação de sindicatos e estabelecendo conselho econômico e sociais com membros da sociedade
3. Adotar metas de prevenção e redução do desemprego
4. Garantir uma política nacional de salário mínimo
5. Garantir remuneração positiva a poupadores com papéis do governo
6. Estabelecer uma herança mínima paga a todos que atingem a idade adulta
7. Criar uma autoridade pública de investimento para operar fundo soberano
8. Fixar uma estrutura de impostos mais progressiva, com taxa até 65%, ampliando a base de arrecadação
9. Introduzir desconto de impostos para as faixas mais pobres de renda
10. Taxar heranças e doações inter-vivos de forma progressiva e por toda a vida
11. Taxar a propriedade de forma progressiva e com valores atualizados
12. Pagar benefícios a todas as crianças
13. Pagar renda complementar aos mais pobres
14. Renovar a segurança social, elevando os benefícios e estendendo coberturas
15. Elevar para 1% do PIB a contribuição dos países ricos para assistência aos países pobres


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