Folha de S. Paulo


O gás natural espera seu momento

Carros e caminhões movidos por gás natural compõem porção considerável das frotas de veículos em muitas partes do mundo. O Irã conta com dois milhões de veículos movidos a gás natural em suas estradas. Em 2009, havia 1,8 milhão de veículos e quase dois mil postos de gás natural na Argentina. O Brasil não fica muito atrás. Itália e Alemanha contam ambas com frotas substanciais de veículos a gás. Os Estados Unidos serão o próximo nome na lista?

Com a abundância de gás natural a preço baixo que existe no país, as questões que limitavam o uso de gás em veículos estão sendo repensadas, e a fatia de mercado desse combustível pode crescer, talvez substancialmente.

De acordo com dados de preços referentes a julho fornecidos pelo Departamento da Energia norte-americano, o gás natural oferece vantagens econômicas diante da gasolina e do diesel. No caso de um veículo a gasolina com consumo da ordem de 17 quilômetros por litro, o gás natural poderia fornecer a mesma quilometragem a um custo US$ 1,50 mais baixo, aos preços atuais. E devemos acrescentar economia nos custos de manutenção a esse cálculo. Um estudo conduzido com táxis movidos a gás natural em Nova York constatou que eles precisam de menos mudanças de óleo, porque o combustível queima de forma mais limpa e os componentes do exaustor duram mais porque o gás natural é menos corrosivo do que outros combustíveis.

Hoje, esses benefícios econômicos são cancelados pelo custo inicial de um veículo a gás --20% a 30% superior ao de um veículo comparável a gasolina. Mas se a produção desses modelos crescesse de maneira significativa, a economia de escala propiciaria redução de preços. Jon Coleman, gerente de sustentabilidade de frota da Ford Motor, afirmou que, com volume de produção suficiente, o preço de venda dos carros a gás seria comparável ao dos veículos convencionais.

Pode demorar anos para que os benefícios econômicos dos veículos a gás possam ser concretizados, mas os benefícios ambientais seriam imediatos. De acordo com o site do Departamento da Energia, os veículos a gás emitem menos poluentes que os automóveis a gasolina e diesel, mesmo levando em conta o processo de produção do gás natural, que libera metano com alto teor de carbono na atmosfera. A Mercedes-Benz afirma que seu E200, um carro que opera a gasolina ou gás, emite 20% menos carbono quando usa gás natural comprimido do que quando usa gasolina.

O governo norte-americano parece favorecer o gás natural como combustível. Para promover a produção de veículos com emissões de carbono mais baixas, as autoridades permitiram que as montadoras contem certos tipos de veículo por valor superior ao unitário no cômputo do Índice Empresarial Médio de Economia de Combustível (CAEE), sob regulamentos que dispõem que as linhas de cada montadora devem apresentar quilometragem média de 23 quilômetros por litro até 2025. Os híbridos plug-in e os veículos de gás natural podem ser contados por 160% de sua economia média de combustível, para os padrões CAEE, e os veículos elétricos por 200%.

Adaptar o gás natural para servir como combustível para veículos envolve desafios de engenharia. Embora seja um combustível de queima limpa, o gás tem menor densidade energética que a gasolina, e por isso, se for queimado em um motor projetado para gasolina convencional, o desempenho e a eficiência caem.

Mas porque o gás natural tem octanagem natural de 130, ante 93 para a melhor gasolina, um motor projetado para ele pode operar com pressão muito alta nos cilindros, o que causaria falhas em um motor a gasolina por ignição prematura. Maior pressão nos cilindros significa mais potência, e assim a vantagem da gasolina em termos de densidade energética termina anulada.

"Sempre que você tem a oportunidade de usar um combustível com octanagem de 130, muito pode ser feito para otimizar a operação do motor", diz Gregg Black, gerente sênior da Chrysler para sistemas de motores avançados, em entrevista pelo telefone.

No momento, não existem veículos movidos a gás natural otimizados e projetados para esse fim em produção no mercado dos Estados Unidos, ainda que existam veículos capazes de usar esse combustível. A Ford é a maior fornecedora de veículos a gás no país - veículos comerciais médios e pesados preparados para uso de gás natural com o uso de peças especiais instaladas na linha de montagem mas com o equipamento necessário ao uso do gás comprimido instalado posteriormente por fornecedores terceirizados. Porque há poucos postos de gás natural, todos os modelos que a Ford tem à venda são flex, e podem operar com gasolina ou gás natural, uma capacidade que requer compromissos. A GM tem modelos parecidos, mas também oferece um veículo que sai de linha já pronto para o uso do gás natural - um furgão de trabalho.

Quando perguntado se o motor do furgão era modificado para aproveitar a octanagem de 130 do gás natural, Dick Kauling, gerente de engenharia de combustíveis gasosos na GM disse que "até agora não conduzimos toda a otimização possível para tirar vantagem da octanagem que o gás natural oferece".

A Chrysler produz uma versão de sua picape RAM plenamente preparada para o uso de gás natural, mas também com motor flex, e o propulsor, de acordo com Black, está ajustado para apresentar seu melhor rendimento quando o combustível é a gasolina.

A Honda vende o único modelo de passageiros movido a gás natural disponível no mercado dos Estados Unidos. Uma versão de seu subcompacto Civic vem equipadas com uma versão reformulada de seu motor a gasolina, adaptado ao uso do gás natural, com taxa superior de compressão e sistemas de controle modificados. O modelo é produzido em pequeno volume e custa US$ 8 mil a mais que um Civic com motor a gasolina.

Em resumo, pouco esforço foi dedicado à otimização dos motores de gás natural, e isso provavelmente não vai mudar a não ser que a demanda e o volume justifiquem o investimento.

Até que os tanques pressurizados dos veículos a gás natural possam ser reabastecidos fácil e rapidamente, a frota não poderá crescer substancialmente. O número de postos comerciais de reabastecimento de gás natural comprimido vem crescendo em 16% ao ano, de acordo com o Departamento da Energia. E embora o total ainda seja pequeno, os avanços no equipamento de reabastecimento devem expandir o ritmo de crescimento. Boa parte da infraestrutura já está disponível. Os Estados Unidos instalaram milhões de quilômetros de dutos de gás natural. Conectar essa rede aos postos de gasolina não é difícil.

Ainda que postos comerciais de reabastecimento sejam necessários para sustentar uma frota considerável de veículos gás natural, o reabastecimento caseiro pode ser a solução mágica que tornará praticáveis os veículos a gás natural. Os veículos elétricos dependem de abastecimento caseiro e seu alcance é mais de 50% menor que o dos veículos a gás natural. Alguns produtos de reabastecimento doméstico de carros movidos a gás natural já estão disponíveis, mas seu preço pode atingir os US$ 5 mil.

Buscando mudar esse fator, o Departamento da
Energia concedeu verbas de pesquisa a algumas empresas para que desenvolvam equipamento de reabastecimento doméstico a preços acessíveis. Entre elas está a Eaton, que anunciou em julho de 2012 que estava desenvolvendo uma estação caseira de reabastecimento que estaria disponível "antes do final de 2015", a um custo de produção estimado em menos de US$ 500. Perguntado sobre como esse número se traduziria em termos de preço, James Michaels, gerente de comunicações da Eaton, respondeu em e-mail que a companhia não havia estabelecido um preço de venda.

Se a Eaton conseguir oferecer o sistema a preço acessível, isso pode bastar para virar o jogo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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