Folha de S. Paulo


Investidores veem algo de bom em más notícias de Eike Batista

O colapso do império do magnata brasileiro Eike Batista pode ser ruim para seus investidores e credores, mas representa um estímulo muito necessário aos bancos de investimento do país.

Para pagar os bilhões de dólares em dívidas acumulados por todos os escalões de seu grupo de petróleo, mineração, energia e logística, Batista vem promovendo a cisão de empresas, em uma corrida de transações que revitalizou o mercado de fusões e aquisições brasileiro.

De fato, embora os volumes negociados sejam mais baixos neste ano, alguns executivos financeiros dizem que o fluxo de transações é consistente.

"Podemos ter ganho um pouco de participação", diz Jean-Marc Etlin, presidente-executivo do Itaú BBA Investment Bank. "Sentimos que no momento o movimento é tão forte quanto o do ano passado, ou ainda mais forte".

Na América Latina, as transações de fusão e aquisição dos nove primeiros meses do ano atingiram os US$ 71,9 bilhões, 34% abaixo dos US$ 109,5 bilhões do período no ano passado, e o total mais baixo para nove meses desde 2009, de acordo com a Dealogic.

O Brasil foi o principal mercado de fusões e aquisições, com US$ 34,5 bilhões em transações, seguido pelo México com US$ 16,8 bilhões. O total brasileiro caiu em 34% ante o do período em 2012, e foi o mais baixo desde 2007. O valor médio da transação foi de US$ 160 milhões, o mais baixo para os nove primeiros meses de um ano desde 2005, segundo a Dealogic.

"A queda de 34% no volume de fusões e aquisições no Brasil foi a maior entre os países BRIC [Brasíl, Rússia, Índia e China]. A Índia mostrou 287% de queda, a Rússia subiu em 7% e a China subiu em 20%. As fusões e aquisições em mercados emergentes subiram em 7% nos nove primeiros meses de 2013", ainda segundo a Dealogic.

A maior transação do período no Brasil foi de US$ 2,7 bilhões, na oferta da maior processadora mundial de carne bovina, a JBS, pela Seara Alimentos e Zanda Leather, em junho. As transações de fusão e aquisição com dinheiro vindo de fora totalizaram US$ 15,2 bilhões no período, ou 44% do valor geral, a maior porcentagem desde 2005.

Foi nesse ponto que o grupo de Batista ajudou a propelir os números. A maior transação nessa categoria foi a venda do MMX Porto Sudeste, o porto de sua mineradora MMX, à Trasfigura Beheer e Mubadala Development.

O dinheiro saído do Brasil para transações de fusão e aquisição no período foi de apenas US$ 2,1 bilhões, o total mais baixo desde o início do boom econômico do país em 2003. E teria sido menor não fosse a oferta de US$ 1,5 bilhão do banco de investimento BTG Pactual por metade da Petrobras Oil & Gas em Angola.

Entre as transações nacionais, a Kroton Educacional assinou o maior acordo, ao tomar o controle da rival Anhanguera Educacional Participações por US$ 2,64 bilhões.

A maior transação latino-americana foi a aquisição da Compañia Cervecera de Coahuila pela Constellation Brands, por US$ 2,9 bilhões.

Embora as condições do mercado sejam desafiadoras, os executivos financeiros e investidores do setor de capital privado dizem que as condições mais duras estão forçando os proprietários de empresas a pensar de forma mais realista sobre os preços.

Nos anos de boom, os acionistas estavam acostumados a preços altos. Agora, com a maioria dos economistas prevendo que a economia brasileira enfrentará um período de menor expansão anual, os proprietários de empresas estão ajustando suas expectativas.

O mercado de ações também enfrenta calmaria. Embora as emissões de ações brasileiras nos nove primeiros meses do ano estejam em alta ante o baixo desempenho do ano passado e de 2011, os US$ 12,3 bilhões emitidos até agora este ano empalidecem na comparação com os US$ 45 bilhões vendidos em 2010.

"O fato é que o mercado de ações não vem sendo muito vibrante, para dizer o mínimo", diz Marcelo Di Lorenzo, presidente da 3i Brazil. "É mais fácil para nós. As avaliações estão começando a cair".

O grupo britânico de capital privado anunciou em outubro que um de seus investimentos, o Blue Interactive Group, operadora de TV a cabo, acaba de concluir duas aquisições, elevando sua base de assinantes em 60% desde que a 3i investiu 100 milhões de reais (US$ 43 milhões) na aquisição de uma participação minoritária "significativa", em julho do ano passado.

Seu outro investimento, na Óticas Carol, segunda maior rede de varejo de óculos do Brasil, também está crescendo rapidamente.

Di Lorenzo acrescenta que o outro fator benéfico aos investidores estrangeiros é o enfraquecimento da moeda brasileira, o real, que caiu da cotação de menos de dois reais por dólar para R$ 2,31. "O câmbio ajuda o investidor cuja base é o dólar", ele diz.

Os grupos de capital privado levantaram o recorde de US$ 10,27 bilhões para investimento na América Latina em 2011, com a maior parte desse montante destinada ao Brasil, de acordo com a Associação de Capital Privado e de Empreendimentos para a América Latina.

Os fundos arrecadados caíram a menos de metade daquele total em 2012, mas o montante investido subiu em 21%, para US$ 7,88 bilhões.

A associação afirma que o investimento mantém o mesmo ritmo em 2013, com companhias colocando US$ 2,85 bilhões para trabalhar no primeiro semestre, 5% a mais do que o total do período em 2012.

Com tanto dinheiro disponível para investimento no Brasil, más notícias como o colapso do império de Batista são boas notícias para as pessoas que desejem entrar no mercado a preços de pechincha.

O magnata parece ter encontrado poucos problemas para vender as diversas partes de seu grupo, do porto da MMX aos seus ativos de mineração na Colômbia e o gigantesco porto que ele está construindo no Estado do Rio de Janeiro.

Em outras áreas, há grandes transações em preparo, igualmente, como a proposta de fusão entre a Oi e a Portugal Telecom, que a Dealogic avalia em 2,6 bilhões de euros, ou 10,5 bilhões de euros computadas as dívidas.

"Presumindo que a transação seja realizada, seu impacto sobre o setor de telecomunicações será grande", disse Francesca Odell, advogada do escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI


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