Folha de S. Paulo


Empresas enviam microssatélites ao espaço para filmar o planeta

As pessoas que já estão preocupadas com as câmeras sempre ativas do Google Glass e com os drones (aeronaves de pilotagem remota) de observação, precisam acrescentar um novo recurso de bisbilhotice à lista: imagens espaciais de baixo custo das regiões mais povoadas da Terra.

Não serão as primeiras câmeras a chegar ao espaço, claro. Satélites do tamanho de furgões, para registro de imagens planetárias, circulam o globo há muito tempo, mas sua construção e lançamento custam milhões de dólares, devido ao seu peso e equipamento especializado. Os novos satélites, usando tecnologias miniaturizadas de fácil obtenção como as que tornaram os laptops e smarphones tão poderosos, serão muito mais baratos que seus predecessores.

A vista do alto oferece muitos dados inexplorados, diz Paul Saffo, ensaísta que trabalha com projeções de avanços tecnológicos. Ele antecipa que os novos serviços de satélites encontrarão muitos clientes.

Seguradoras, por exemplo, poderiam usar fotos via satélite sobre o "antes" e o "depois" de um incidente para monitorar propriedades e validar reivindicações. Empresas que atualizam mapas online para geólogos, urbanistas ou serviços de combate a desastres também estariam entre os potenciais clientes. As imagens também poderiam ser usadas para monitorar problemas como desflorestamento, o derretimento das calotas de gelo polares e exploração excessiva da pesca.

E as produtoras de alimentos e companhias de comércio de commodities poderiam usar as imagens para acompanhar safras e rendimentos agrícolas em todo o planeta, previu Saffo.

Mas as imagens também devem ser encaradas como o mais recente avanço contraditório da tecnologia, por parte de pessoas que já andam cautelosas quanto à vigilância completa de suas vidas, ao modo Grande Irmão.

A primeira companhia a levar um microssatélite ao espaço com fins comerciais será a Planet Labs, de San Francisco, que planeja lançar no final do ano uma frota de 28 pequenos satélites que fotografarão o planeta 24 horas por dia, com atualizações frequentes. A empresa já lançou dois satélites para testes, e enviará ao espaço a constelação completa, chamada Flock-1, em dezembro, diz Will Marshall, co-fundador da Planet Labs e antigo funcionário da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) norte-americana.

A tecnologia da Planet Labs, como a de outras operadoras de microssatélites, a exemplo da Skybox Imaging, está se beneficiando da progressiva miniaturização dos componentes eletrônicos de uso comum, bem como dos esforços do governo federal dos Estados Unidos para comercializar o espaço.

"O que estamos vendo são satélites menores dotados de capacidades semelhantes às de satélites convencionais, muito maiores", diz Glenn Lightsey, professor da Universidade do Texas e fundador do Laboratório Estadual do Texas, que ele continua a dirigir na mesma instituição. "Já que colocar um satélite em órbita precisa levar em conta seu tamanho, esses novos satélites entram em órbita a custo muito mais baixo", ele diz.

A Skybox Imaging, de Mountain View, Califórnia, planeja oferecer imagens altamente detalhadas e vídeos de alta resolução, com seus satélites. A companhia, que levantou US$ 91 milhões em capital, planeja colocar seus satélites SkySat-1 e SkySat-2 em órbita este ano, diz Dan Berkenstock, um dos co-fundadores da empresa, e depois expandir a rede com um grupo que totalizará 24 satélites. Os clientes poderão comprar imagens ou um aparelho que permitirá baixar imagens diretamente do satélite. "As pessoas poderão se conectar ao satélite e pedir que ele tire fotos".

A Japan Space Imaging, subsidiária da Mitsubishi, recentemente assinou contrato com a Skybox permitindo que baixe diretamente imagens de satélites para fins de monitoração agrícola e marinha, bem como para combate a desastres naturais.

Os serviços de microssatélites oferecem uma maneira nova e acessível de monitorar mudanças mundiais tais como o crescimento de safras, diz Anthony Janetos, diretor do Centro Pardee para o Estudo do Futuro em Longo Prazo, na Universidade de Boston. "Não se pode compreender essas forças se não for possível medi-las", ele diz. "Os serviços de satélites serão úteis para coligir essas medições".

Os novos satélites são ainda outro estágio na expansão da visão humana com a assistência de poderosas câmeras e comunicação digital, diz Mitchell Stephens, professor de jornalismo na Universidade de Nova York e autor de "The Rise of the Image, the Fall of the Word". Essa mudança tem pontos positivos e negativos, ele observa. As pessoas que tentam criar um esconderijo isolado na mata podem perceber subitamente que ele não é tão privativo quando imaginavam. Mas esse tipo de imagem também poderia identificar desmatamento ilegal em áreas distantes.

"Agora podemos ter uma visão quase divina, contemplando o mundo do céu", ele disse. "Compreendo por que isso talvez incomode as pessoas. Mas as câmeras podem tornar o mundo mais transparente e aberto. É algo que favoreço".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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