Folha de S. Paulo


Análise: Nuvens dos emergentes podem obscurecer a Europa

No começo deste ano, os mercados emergentes não faziam parte das preocupações de investidores. No topo da lista estavam os problemas fiscais dos EUA, a longa crise na zona do euro e a aterrissagem da economia chinesa.

Ninguém estava considerando o que aconteceria caso essas ameaças não se concretizassem. As tempestades financeiras que agora atingem as economias em desenvolvimento são a resposta.

Com os EUA registrando crescimento firme, o Fed (banco central americano) deseja reduzir as compras de ativos, que estimulavam a economia, já no mês que vem.

Como resultado, houve queda nos preços dos títulos (e correspondente alta de rendimentos) nos mercados desenvolvidos -e forte reversão dos fluxos de capital que iam para os emergentes.

Os mais prejudicados foram os que mais dependem desse capital -os que precisam financiar deficit considerável em conta corrente.

Boa parte do que ocorre nos emergentes resulta de fatores internos, como decisões políticas aparentemente insensatas. Também é verdade que os investidores já se haviam desapaixonado das ações de emergentes muito antes que o Fed indicasse mudanças. Mas, no mínimo, isso agravou a onda de vendas.

As saídas de capital dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) de 22 de maio para cá foram equivalentes a cerca de um terço do capital sob administração dos fundos que existem lá. Isso equivale a apenas 4% de saída de capital entre o começo do ano e o anúncio de Bernanke.

Além disso, há uma relação clara entre a dimensão dos atuais deficits em conta corrente e a extensão em que os países vêm sendo prejudicados pela turbulência.

As ações europeias estão se beneficiando, mas ainda estamos no começo da mudança de política americana, e seus efeitos se espalharão -possivelmente até aos países europeus mais fracos.

A lição da história econômica é temível: quando os fluxos de capital se revertem, as consequências são muitas vezes abruptas e dolorosas.

E os países superavitários tampouco estão imunes; quando os fundos de mercados emergentes precisam gerir súbitas e vultosas saídas de capital, se veem forçados as vender ativos mais líquidos e de maior qualidade -e os efeitos se espalham.

Estamos apenas no início de um longo ajuste da política monetária dos EUA -com efeitos difíceis de prever.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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