Folha de S. Paulo


Análise: As nuvens dos mercados emergentes podem obscurecer a Europa

No começo deste ano, a turbulência nos mercados emergentes não constava da maior parte das listas de preocupação de investidores. No topo da lista estavam os problemas fiscais dos Estados Unidos, a crise continuada na zona do euro e a possível aterrissagem "dura" da economia chinesa.

Ninguém estava realmente considerando o que aconteceria caso essas ameaças não se concretizassem. As tempestades financeiras que estão atingindo a Índia e outras economias em desenvolvimento esta semana são a resposta.

Com a economia dos Estados Unidos tendo evitado com sucesso problemas mais graves e registrando crescimento firme, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) deseja reduzir as suas compras de ativos, o chamado "relaxamento quantitativo", já a partir do mês que vem. Como resultado, houve queda nos preços dos títulos, e correspondente alta de rendimentos, nos mercados desenvolvidos --e os fortes fluxos de capital para os mercados emergentes que eram causados pelos rendimentos mais altos disponíveis nele se reverteram firmemente.

Os mais prejudicados foram os países que mais dependem desses influxos de capital --aqueles que precisam financiar deficit consideráveis em conta corrente. Na Índia, onde o deficit excedeu 5% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, a rúpia bateu recorde de baixa diante do dólar. Os preços das ações também sofreram imensas quedas, e o rendimentos dos títulos públicos de 10 anos está se aproximando dos 10%, sua cotação mais alta em cinco anos.

A boa notícia é que isso tudo ainda não resultou em uma crise completa nos países emergentes, e o Fed pode controlar o ritmo de redução em suas compras de ativos.

As ações europeias estão se beneficiando, como alternativa oposta de investimento para os investidores em busca de ativos subestimados.

A má notícia é que ainda estamos apenas no começo do processo de abandono mundial do relaxamento quantitativo, e seus efeitos se espalharão - possivelmente até às economias europeias mais fracas.

Boa parte do que está acontecendo nos mercados emergentes resulta de fatores nacionais - os problemas da Índia certamente foram exacerbados por decisões políticas aparentemente insensatas. Também é verdade que os investidores mundiais já se haviam desapaixonado das ações de países emergentes muito antes que Ben Bernanke, o chairman da Fed, oferecesse a primeira indicação quanto ao fim das compras de ativos pelo Fed, em 22 de maio. Assim, não se sabe ao certo até que ponto é a decisão do Fed que está causando tensões nos mercados emergentes.

Mas parece evidente que a discussão quanto aos planos do Fed no mínimo agravou a onda de vendas. As saídas de capital do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foram equivalentes a cerca de um terço do capital sob administração dos fundos que existem lá, de 22 de maio para cá, de acordo com a EFPR, que fornece dados sobre fundos de investimento.

Isso se compara a apenas 4% de saída de capital entre o começo do ano e o anúncio de Bernanke. Além disso, há uma relação clara entre a dimensão dos atuais deficit em conta corrente e a extensão em que os países vêm sendo prejudicados pela recente turbulência financeira - o que reforça o argumento de que a culpa cabe à reversão dos fluxos do relaxamento quantitativo.

A Indonésia, onde a situação da conta corrente se agravou seriamente já desde o ano passado, viu algumas das quedas mais fortes nos preços das ações. A África do Sul, Turquia e Brasil, como a Índia, viram alta acentuada no rendimento de seus títulos, e quedas fortes na taxa de câmbio do dólar. A lição da História econômica é temível: quando os fluxos de capital se revertem, as consequências são muitas vezes abruptas e dolorosas.

E os países superavitários tampouco estão imunes; quando os administradores de fundos de mercados emergentes precisam gerir súbitas saídas de capital em grande volume, se veem forçados as vender ativos mais líquidos e de maior qualidade -e os efeitos se espalham.

Para os europeus, os eventos desta semana lembram fantasmagoricamente o estrago causado pelos países bálticos, que registravam imensos deficit em conta corrente quando irrompeu a crise financeira mundial de 2007.

Por algum tempo, os países menores da zona do euro foram protegidos pela união monetária. Mas a zona do euro mesma terminou quase dilacerada quanto os fortes fluxos de capital do norte do continente para a periferia sul entraram em reversão. Regimes de taxa de câmbio fixa muitas vezes geram uma falsa sensação de segurança entre os investidores porque retardam uma correção inevitável.

A turbulência dos mercados emergentes esta semana encorajará uma mudança no sentimento dos investidores, que voltarão a favorecer as economias desenvolvidas, especialmente as que estiverem voltando a crescimento propelido de dentro e autossustentado.

O risco para a Europa, porém, é o de que os mercados de títulos dos países da periferia da zona do euro sejam os próximos na fila de vendas.

Se os títulos alemães de 10 anos estão em alta - esta semana, eles ultrapassaram o 1,9%, ante menos de 1,2% no começo de maio -, o rendimento inferior a 4,5% dos títulos italianos e espanhóis equivalentes parece menos que atraente.

Por enquanto, os rendimentos dos títulos da zona do euro se mantiveram firmes pela razão, não inteiramente positiva, de que os volúveis investidores estrangeiros já fugiram dos mercados mais fracos da região. Mas estamos apenas no início de um longo processo no qual a política monetária dos Estados Unidos evoluirá - e com efeitos que ninguém pode prever com confiança.

TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI


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