Folha de S. Paulo


"Nenhuma lei impedirá a espionagem", diz relator do Marco Civil da internet

O relator do Marco Civil da Internet, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), afirmou nesta quarta-feira (7) que a nova legislação para o uso da rede no país não conseguirá impedir a espionagem de dados de brasileiros.

O governo Dilma Rousseff decidiu incluir no texto do projeto, que aguarda votação na Câmara desde 2011, a obrigatoriedade de armazenamento de dados no Brasil após as denúncias de espionagem dos Estados Unidos, feitas pelo ex-analista de inteligência americano, Edward Snowden.

"A tecnologia hoje permite um nível de controle sobre os indivíduos muito arriscado. Mas preciso dizer com toda franqueza que nenhuma lei impedirá a espionagem. Como nenhuma lei impede a prática de crimes", disse durante audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.

Ele afirmou que a nova lei poderá "dissuadir, desincentivar e punir".

A versão final do texto não foi divulgada, mas o governo já declarou a intenção de incluir a obrigatoriedade de armazenamento, seja por meio de acordo com o relator ou por apresentação de emenda ao projeto.

O tema opôs provedores de conteúdo e empresas de telecomunicações.

Para Nelson Wortsman, diretor da Brasscom, que representa empresas de tecnologia, como Google, Microsoft e IBM, a decisão do governo é "equivocada". Segundo ele, a medida irá aumentar ainda mais o custo de se fazer investimentos no país.

"O Brasil é o menos competitivo das Américas na implantação de data centers. Para que um data center esteja no Brasil, vamos despender US$ 60 milhões. Se ele estivesse no Chile, investiríamos US$ 51 milhões. No México, US$ 41 milhões e, em Miami, US$ 43 milhões", afirmou.

Ele afirmou que o governo deveria investir em acordos bilaterais que possibilitem à Justiça brasileira acesso rápido a dados armazenados em outros países.

Já Alex Castro, diretor do Sinditelebrasil, sindicato das empresas de telecomunicações, defendeu que o projeto inclua a obrigação de armazenamento local e proíba os provedores de eleger fóruns estrangeiros para a solução de controvérsias com os usuários.

"No setor de telecom, nenhuma empresa pode explorar os serviço se não tiver toda sua estrutura no Brasil. Os grandes provedores de aplicação deveriam ser estimulados a colocar infraestrutura no país, efetivamente guardando dados dos usuários em data centers para que tivéssemos o mínimo de soberania ao tratamento do dado", disse.

Ele atacou ainda a prática de empresas como Google que, em troca da gratuidade dos serviços de email, acessa as informações dos usuários para vender publicidade.

"O usuário jamais deve ter que pagar com o seu sigilo e sua privacidade", disse.

NEUTRALIDADE

As teles voltaram a se opor ao princípio da "neutralidade da rede", que as proíbe de interferir na navegação do usuário, restringindo seu acesso a determinado tipo de serviço ou conteúdo.

Elas alegam que precisam "gerenciar" o uso da rede pelos usuários para dar conta da demanda crescente por capacidade. Além disso, afirmam que o projeto as impede de oferecer pacotes mais baratos que tenham, por exemplo, acesso apenas a emails ou redes sociais.

O deputado Alessandro Molon afirmou, porém, que não irá acatar mudanças nesse quesito, classificado como "sagrado" e "inegociável".

"Agora vamos excluir e fatiar a internet? E dizer que o povão tem direito a email, mas não direito de usar voz sobre IP? Aqui realmente há um conflito. Os provedores de conexão não querem a redação da neutralidade da rede. Mas os 80 milhões de internautas brasileiros querem. O Congresso vai ter que decidir se vai atender à preocupação de um setor ou se vai atender o que a sociedade brasileira quer, que é uma rede neutra e inteira para todos eles", disse.

Segundo Molon, a neutralidade da rede não impede a venda de pacotes com diferentes velocidades, como é feito hoje.

"Agora, dentro dessa velocidade contratada, ele vai acessar o que quiser", afirmou.

PRIVACIDADE

O relator sinalizou ainda que não abrirá espaço para modificações nos artigos sobre a guarda de informações de acesso dos usuários.

As teles não poderão armazenar esses dados e reclamam que isso as alijará do mercado publicitário da rede. Já os provedores de conteúdo poderão guardá-las por até um ano.

Segundo Molon, as empresas de telecomunicações têm acesso a toda a navegação do usuário na rede, enquanto os provedores de conteúdo podem monitorar o comportamento apenas no momento em que o internauta acessa seu site.

Ele lembrou que esse acesso privilegiado das teles abriu espaço para a atuação de empresas como a "Phorm", cuja atuação foi proibida em outros países.

"Ela grava toda a navegação, analisa e vende como mercadoria. É uma violação da privacidade de todos nós. Quem faz negócios com essas empresas e ganha dinheiro com isso e vai deixar de ganhar. Lamento muito. Vou ficar do lado da privacidade do internauta", disse.

GESTÃO MULTILATERAL

O vice-presidente da Anatel, José Jarbas Valente, defendeu que a nova legislação deva contemplar a mudança na governança da internet para uma gestão multilateral, sem dar detalhes de como isso seria feito.

A discussão foi levada pelo Brasil à Conferência da UIT (União Internacional da Internet), em dezembro do ano passado.

"O Marco Civil tem de refletir mudança na governança mundial. Não podemos aceitar e trazer para o Marco Civil brasileiro o que hoje é dominado pelos países
[desenvolvidos], praticamente pelos Estados Unidos", disse.


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