Folha de S. Paulo


Eleitores se organizam on e off-line para enfrentar Donald Trump

O processo da eleição americana tomou um rumo –há quem diga ideológico– improvável. Antes mesmo da sua candidatura, a democrata ultraexperiente Hillary Clinton já era apontada como a grande vencedora do dia 8 de novembro deste ano. Tudo corria nos trilhos. Por outro lado, e ninguém contava com essa ascensão, subiu Donald Trump, o empresário nova-iorquino que polarizou o país em um embate xenófobo.

Surpreende a diversidade dos eleitores que o apoiam, desde evangélicos no Alabama até seculares de Massachusetts, seduzidos pelo "Trump diz o que ninguém tem coragem de dizer".

Em tempos politicamente corretos, "dizer o que vem à cabeça", por mais irresponsável que seja, soa original para muitos.

No entanto seu discurso de ódio, que causou risos no início da campanha eleitoral, tem sido levado cada vez mais a sério, porque o pré-candidato lidera as prévias no país. Em contrapartida, o resultado expressivo que pode torná-lo o indicado do Partido Republicano tem mobilizado redes sociais em protesto. O que ele incita é inaceitável. Cada vez que Trump abre a boca, uma gritaria se instala.

CHAMADO PELO FACEBOOK

O estopim foi aceso no último dia 11 na Universidade de Illinois, em Chicago, cidade com 2,7 milhões de habitantes, que se dividem igualmente entre brancos, latinos e negros. Minutos antes de o candidato republicano subir ao palco do comício, a pancadaria entre os que foram protestar e os que apoiam a sua candidatura fez com que o evento fosse cancelado.

Kamil Krzaczynski - 11.mar.2016/Reuters
Opositor de Trump (à esq.) enfrenta apoiador do candidato durante ato em Chicago
Opositor de Trump (à esq.) enfrenta apoiador do candidato durante ato em Chicago

Uma página no Facebook foi criada para promover o protesto. Na noite do dia 11, mais de 11,6 mil pessoas, em sua maioria partidárias do socialista Bernie Sanders, que disputa a indicação do Partido Democrata, tinham respondido que iriam, e pelo menos 19 mil se disseram "interessadas". Organizadores mostraram-se surpresos ao notar a passagem de 1,5 milhão de usuários por ali.

Não houve mortos nem gravemente feridos, e não se trata disso exatamente, mas sim dos vigilantes que se unem contra o chamado fascista de Trump. Vale lembrar que o protesto sangrento de 1968 contra a polícia após a escolha de Lyndon Johnson, candidato pró-Vietnã, também foi em Chicago, durante a convenção democrata.

'SEJA ESPERTO E UNIFIQUE'

Desde que se candidatou à Presidência, Trump surpreendeu o mundo justamente por não participar da mente coletiva republicana, com valores clássicos, tais como proteção à família, redução de impostos para a classe mais abastada, aborto controlado, oposição ao casamento gay.

O partido se sente desmoralizado pelo seu galope solitário, que atrai uma supremacia branca com pouca educação e bastante ressentida, um tipo que insiste em excentricidades como a construção de um muro na fronteira do México e a deportação de muçulmanos.

Tudo isso é fruto do estilo paranoico que os republicanos adotaram durante a Presidência de Barack Hussein Obama, desde seu primeiro mandato, iniciado em 2009, sugerindo que os EUA perderam força no mundo, que ele não é americano, um muçulmano talvez e, muito provavelmente, um traidor da pátria. Risível, mas o fenômeno Trump não nasceu nem ontem nem no ano passado.

Gente como Reince Priebus, presidente do Comitê Nacional Republicano, percebeu que não há outra saída a não ser apoiá-lo. "Seja esperto e unifique", foi a resposta de Trump. Os ex-candidatos Chris Christie, governador de Nova Jersey, e o neurocirurgião Ben Carson, de Detroit, declararam apoio.

QUASE LÁ

Com sólida carreira política, inicialmente ao lado do marido, o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), tornando-se senadora pelo Estado de Nova York (2001-09) e Secretária de Estado sob a presidência de Barack Obama (2009-13), Hillary, natural de Chicago, parecia a candidata perfeita. Além de ser social-liberal, defender a moderação fiscal com laços no establishment financeiro, seria a primeira mulher na Presidência.

A surpresa é que mulheres e jovens não se sentem tão representados por ela, seja por sua atitude nada "feminista" de ignorar diversas acusações contra o marido, que teria abusado sexualmente de mulheres ao longo da carreira, ou simplesmente por falta de carisma.

Já Bernie Sanders, senador pelo Estado de Vermont, mesmo com quase 75 anos de idade, representa a novidade. Seu ativismo tem forçado Hillary a reposicionar-se mais à esquerda em suas propostas. Só ser mulher e muito preparada não basta. Novos tempos.

LUCRECIA ZAPPI, 43, jornalista e escritora, é autora de "Onça Preta" (Benvirá).


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